O CASO DA CALCINHA ANÔNIMA

O CASO CALCINHA ANÔNIMA

Por Lílian Maial

- De quem é essa calcinha?

A pergunta de Flávia, em tom incisivo, pegou Paulo de surpresa.

- De que calcinha você está falando, mulher?

- Dessa aqui, essa vermelha, obscena, sexy e, ainda por cima, tamanho P!

Flávia há muito deixara de ser tamanho P. Fazia de tudo para não passar para o G, apertando-se num M esgarçado e sempre de algodão e lycra, bem mais elásticas.

Paulo mostra-se tão surpreso quanto Flávia, exibindo uma tranqüilidade irritante:

- Olha, Flávia, você pode não acreditar, mas não faço a menor idéia de quem seja

a dona dessa calcinha, muito menos o que ela faz no porta-luvas do meu carro. Você usou o carro ontem, deve ter colocado aí e nem se lembra.

- Você está de gozação comigo, né, seu filho de uma égua? Sabe muito bem que

eu não uso tamanho P. Além disso, a calcinha sequer foi usada, está com etiqueta dessa loja caríssima, de lingerie, da qual eu nem passo perto.

Paulo não se deixava abater, e isso causava mais ansiedade em Flávia:

- Meu bem, é óbvio que eu não deixaria aí uma calcinha que não fosse sua. Não

seria tão imbecil, a ponto de levantar suspeita, e de forma tão tola. Se eu quisesse presentear alguém com lingerie, mandaria entregar no endereço. Simples assim.

- Ah! Isso demonstra que você já fez isso antes, e não foi comigo!

Flávia estava quase aos prantos, mas sua indignação não a permitia derramar uma gota.

- Minha preciosa, nunca daria presente a mulher alguma, que não fosse você,

muito menos lingerie. Sou tão desastrado, que certamente erraria o tamanho. Vê, nem sei o seu, que é minha mulher há tantos anos. Por falar nisso, tem certeza de que não é sua?

Flávia, quase que histérica, agarra a calcinha, a estica de todas as maneiras, coloca na frente de seu corpo vestido, mostrando a enorme diferença entre seu manequim e o da tal calcinha vermelha.

- Veja se pode ser minha, VEJA!

Estava desolada, pensando nos momentos tórridos usufruídos por seu marido, junto à tal “magricela que podia ser sua filha”. Seu coração estava aos cacos. Imaginava seu marido fazendo carícias íntimas na menina. Esta, gemendo, tremendo ao contato do corpo másculo de Paulo que, apesar de já ter mais de 45 anos, aparentava ter bem menos, graças à alimentação balanceada e a algumas horas de academia toda semana. Enquanto que ela, mais nova que ele, não vinha mantendo a mesma estética de 5 anos antes, em virtude de uns problemas de descontrole tireoideano, não obstante a medicação e os cuidados recomendados. Também não era muito afeita a academias, ainda mais depois que virou moda entre as meninas perfeitas.

Ela já estava vendo o fim do casamento, percebendo-se descartável, desinteressante e traída, quando Marcos, seu filho mais velho, arranca a calcinha de sua mão e dá-lhe uma bronca “daquelas”:

- Por que você tirou a calcinha da Bebel do porta-luvas? Era surpresa! Agora está

toda esticada, com cheiro de comida, feia. Paguei uma nota por ela e não vou ter coragem de presentear a minha gata.

Marcos não sabia, mas havia tirado um peso tão grande dos ombros de sua mãe, que esta, sem titubear, “pagou” o mesmo valor pela tal calcinha, com um enorme sorriso nos lábios, que o filho, atordoado, não entendeu a razão.

Para completar, Paulo abre a carteira e pede ao filho para trazer, também, uma semelhante, só que no tamanho G, da mesma cor e modelo, olhando para Flávia com ar de cumplicidade.

Até hoje Marcos não entende o motivo de sua mãe ter emagrecido tanto, ter mudado o guarda-roupa, ter ficado mais jovial, e da calcinha que seria de Bebel, tamanho P, estar pendurada na moldura do espelho do quarto de seus pais até hoje.

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