Rosa e a Velha

Rosa subiu os degraus da escada de tijolos aparentes e deu de cara com uma porta aberta de onde caiam longos feixes de tecido vermelho. O perfume de alfazema e incenso encheu os seus pulmões e ela soube que sua intuição havia sido correta. Ela estava sendo esperada.

Passou a mão no corpo, se limpando de tudo o que não queria levar pra dentro, antes de entrar, e fez o sinal da cruz. Entrou com os pés descalços e sentiu o chão gelado de cimento queimado do apartamento. A única iluminação que havia no ambiente vinha de algumas velas e da ponta de um cigarro queimando sozinho no fundo da sala. Uma moça toda vestida de branco se aproximou logo que ela entrou, mas não falou nada.

Rosa então, abriu a boca e sussurrou respeitosamente.

- Vim falar com Dona Maria.

- Ela está esperando.

- Eu sei.

A moça deu um sorriso e indicou uma portinha de madeira que levava a um quarto que Rosa já conhecia.

Rosa bateu levemente e entrou sem esperar resposta.

- Com licença. – Falou, antes de botar o pé pra dentro.

Sentada em uma cadeira de balanço, estava sua avó, fumando um cigarro e com uma taça de espumante no meio das pernas. Mas de alguma forma ela sabia que não era sua avó que estava ali.

- A sua bênção, minha vó.

- Deus abençoe minha filha.

- A senhora queria falar comigo?

- Isso a minha filha que diz.

- Como assim?

A velha largou o cigarro num cinzeiro e tomou um gole na taça.

- Minha filha devia parar pra ouvir os próprios pensamentos de vez em quando. Tem pensamento que é tão forte quanto uma oração.

Rosa se sentou no chão, um pouco envergonhada e concordou com a cabeça.

- Eu já sei o que é, mas ainda assim vou lhe perguntar. Me diga minha filha. O que está lhe incomodando?

- Me incomodo de sempre estar sozinha. De não ter quem me queira. De não ter quem me ame, ou quem queira meu amor.

- E pra que você quer que alguém lhe queira?

- Pra me sentir amada. Pra ter alguém que cuide de mim.

- E pra isso você acha que precisa de outra pessoa, minha filha?

- Claro. A senhora mesmo disse que ia me ajudar.

- Pois você está errada, minha filha. Quem tem que se amar primeiro é você. Quem tem que se cuidar primeiro é você. Não adianta vir aqui, acender vela, me dar cigarro e bebida. Eu não me vendo por qualquer tostão. Minha maior paga é que você aprenda a se amar, minha filha. Ai sim eu vou poder ajudar.

- Mas a senhora sabe como é difícil.

- Claro que eu sei. Pra estar onde estou eu sofri muito. Sofri muito por amor. E por trás desse sofrimento muitas vezes tinha um macho. E um macho não muito diferente do que você acha que gosta.

- Mas eu gosto dele. Eu amo muito.

- Amor não faz ninguém ficar desse jeito que você está, minha filha. Isso é desamor.

- É culpa dele, que não me ama de volta.

- E onde fica o livre arbítrio dele? O seu querer é maior do que o querer dele?

- Não. Mas isso não é justo.

- E o que é justo, minha filha?

- Não sei. Só acho que só se ama errado nessa vida.

- É por que o amor da minha filha tem que ser primeiro com ela, antes de ser pra os outros. Senão a coisa azeda. Vira desamor. Vira rancor. Vira esse tipo de pensamento ruim que toma sua cabeça. E é tão ruim, tão azedo, que eu ouvi como se você estivesse gritando.

Rosa não conseguiu segurar o choro e os soluços e se levantou.

- É tão difícil, minha avó. Eu só queria parar de sentir um pouco.

- Essa vida aqui é uma luta, minha filha. As pessoas vêm em terra pra aprender. E muitas vezes o aprendizado vem de saber viver sem as coisas que a gente quer.

- As vezes eu não entendo muito bem as coisas que a senhora diz.

- Quando você acalmar seu coração, minha filha, você vai entender. E eu estou aqui pra lhe ajudar sempre que você precisar.

- Obrigado, minha avô.

- Não foi nada minha filha. Deus te abençoe e nossa senhora te ilumine os caminhos.

Rosa beijou a mão da velha, saiu e fechou a porta atrás de si.

Deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto e chorou até se sentir mais calma. Antes de sair, deixou uma vela acesa no canto da sala e pegou as escadas em direção à rua.

De alguma forma, sentia-se mais leve. Apesar de não saber bem qual o peso que tinha deixado para trás.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 29/10/2019
Código do texto: T6782136
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