O "bagulho"

Na noite de ontem, me ofereceram “o bagulho”.

E contrariando todas as regras adquiridas desde o berço, eu aceitei!

E não que isso tenha sido ruim. Muito pelo contrário...

A sociedade, às vezes, quase todo sempre, e a cada dia mais, está se tornando mais hipócrita, a ponto de Jesus voltar e sair correndo com os pulsos cortados e braços erguidos esvoaçando ao vento, saltitando loucamete, esbravejando pro diábo carregar todo mundo. A falsidade tomou conta do espírito e o sucumbiu atrás de status, perspectivas mundanas, likes, selfs, deixando um vazio fétido, carnicento, que nem os urubus gostam.

Eu aceitei “o bagulho”. E usei “o bagulho”. E aí entendi o porquê.

A nossa sanidade às vezes precisa de um empurrão para contornar a loucura do mundo. Ser “são” hoje não é certo. Tudo a sua volta pede que você seja louco, fétido, vazio.

E por mais vazio que sejas, e por tudo aquilo que não te preenchas, é para que serve o “bagulho”. Para expandir, para enxergar, para transformar. Para te dar uma perspectiva completamente diferente daquilo que és.

Seu corpo desacelera. Sua cabeça quase para. Você sente uma felicidade que é até difícil de explicar. Você só sente... Profundamente...

Você enxerga tudo que está escondido atrás de mascaras imperfeitas, mostra o que está por trás dos bonecos de cera andando nas ruas, vivendo uma vida dupla (até tripla), escancara todos os segredos que muitos escondem.

Não há errado que a gente faça achando que seja certo. Para tudo tem uma primeira vez.

E sentado naquela praça toda decorada para o natal, sob uma árvore com leds verdes, vendo todos em seus “nichos” cumprindo com seus deveres, vendo as luzes piscarem esbanjando alegria mecânica de zeros e uns, “o bagulho” só fez agravar mais ainda a percepção do óbvio.

No final, você está sozinho enquanto um estranho lhe arranca as entranhas e te perfuma e te enche de flor.

No final, não importa quantas vidas você viveu próprias ou impróprias.

Então, usei “o bagulho” e com meus horizontes abertos, saí da praça e fui até a igreja e fiz algo que nunca imaginei fazer: me joguei de joelhos defronte a santa e pedi para ser absolvido dos meus pecados, mesmo que o dos outros sejam maiores que os meus, pois todos tem teto de vidro, todos tem o segredo obscuro que apodrece a alma.

A santa, com as mãos juntas em oração, me acolheu com seu olhar e sorriu como toda mãe faz.

Acordei em casa, deitado no corredor, com os pés sujos, e molhado de suor. Meus pulsos derramavam sangue. Eu comecei a rir...

E isso é tudo que lembro do “bagulho”. Seja ele o que for. Real ou não, agora vejo tudo com outros olhos...

Afonso Herrera
Enviado por Afonso Herrera em 22/12/2019
Reeditado em 01/08/2023
Código do texto: T6824583
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