E era cacheado todo o seu cabelo

Clarice já dizia: “Perdi muito tempo até aprender que não se guarda palavras, ou você as fala, as escreve, ou elas te sufocam”. Menina dos cabelos cacheados aplicava esta filosofia na sua vida de forma direta. Certa vez, um grande amor obrigou ela a queimar cartas trocadas entre os dois e naquele instante seu coração ardia com a mesma brasa que enfeitava todo o fogueiril. Ela nunca entendeu tal ato, realizado na sacada de seu prédio na Alameda Sitiada. O grande amor chegou discutindo ferozmente com a menina dos cabelos cacheados e ela recuou todas as formas psicológicas de discussão: aprendera que às vezes, ou sempre, é necessário apenas ouvir.

Terminado a explanação, reparou que dentro de sua bolsa de lado de couro marrom, trouxera um lote de cartas que ela logo reconheceu a caligrafia: a sua. Ele disse que queria fumar e ela toda cordial ofereceu o isqueiro que estava sobre a bancada da pia, aquela bancada cor laranja que anunciava a chama que estava prestes a precipitar. Ao final do primeiro cigarro, o grande amor a convidou para fumar, um hábito adquirido com o passar dos anos: um comigo, dois com você! Com seu isqueiro ela acendeu o cigarro e logo partiu em direção ao cigarro do companheiro, que se encontrava entre os dedos indicador e médio da mão esquerda.

Na varanda, fumavam e olhavam para o horizonte lunar naquela noite silenciosa de grandes movimentos. A menina dos cabelos cacheados depositava o seu cigarro no cinzeiro e foi a sala de estar pegar balas para adoçar o momento. Quando retornou, o grande amor já estava em chamas e cartas eram depositadas naquele braseiro. Água, pensou. Só pensou. Deixou que aquelas cartas fossem queimadas, assim como aquele amor que ainda ardia no peito da menina dos cabelos cacheados. As palavras sufocam. O fogo as consumia com uma veracidade tenaz e o amor não era mais plausível. Era sim! No final, cinzas são palpáveis mas escondem essências e essências. Grande amor, cartas, palavras, fogo, cinzas. Um ciclo que foi interrompido pelo jato de água que nasceu do plano azul. A água, misturada com tempestade, molhava seu rosto e era cacheado todo seu cabelo.