Paixão na infância

Linda!!. Olhos castanhos claros assim como o cabelo que se aproximava do loiro e escorria por suas costas até a cintura. Seu riso tinha uma naturalidade rara e lhe imprimia uma vivacidade que encantava. Seu andar era gracioso e único e, apesar de bem pequena, ocupava todos os seus pensamentos. Ao vê-la, suas pernas ficavam bambas, a voz engasgava, o corpo como que flutuava, o chão sumia e uma dormência gostosa lhe tomava de pronto; era a paixão na sua forma mais cândida. O coração disparava quando a via ao longe e paralisava quando ela se aproximava. Acreditava ou queria acreditar que ela não sabia da sua paixão e a mais simples possibilidade de que isso não fosse verdade o deixava em pânico. Alguns indícios, no entanto, como o jeito furtivo de lhe olhar, o riso de canto da boca, a insistência de se fazer presente para espreita-la, mesmo que rapidamente, mostravam o contrário.

Nas festas de rua se esgueirava por entre as pessoas e bancas de comida para vê-la passar sempre na esperança de não ser percebido. Nas missas festivas do Natal e da padroeira da cidade acompanhava sua ida para igreja, se posicionava ao fundo torcendo para não ser visto mas desejava ansioso que ela se virasse para vê-la de relance. Acostumou-se ao amor idealizado. A sua timidez era maior que a paixão sentida e tão grande quanto o medo de se declarar. Era um sonho inalcançável, pensava.

Meses se passaram e a paixão só aumentava. Certo dia enquanto fazia sua espreita habitual, se descuidou e foi abordado de chofre pela amada platônica. Com a autoconfiança de quem sabe ser admirada, ela riu sarcasticamente e saiu tão rápido quanto apareceu. O falso segredo foi quebrado. O sonho ruiu. Acabaram-se as espreitas, as pernas bambas, o coração acelerado. Foi-se a sensação gostosa, pura e ingênua que só crianças podem e sabem sentir. Foi-se para sempre o ideal da paixão.

FCintra
Enviado por FCintra em 13/01/2020
Reeditado em 03/04/2023
Código do texto: T6840944
Classificação de conteúdo: seguro