A Carta.

Tinha algum tempo que ela não me escrevia tão somente uma linha, para me dizer que, estava tudo bem consigo, ou, apenas para me por a par de algumas novidades. E que tempão que não vinha nenhuma carta dela. Transcorrido este lapso temporal, no qual estivemos incomunicáveis – parecia que – estávamos vivendo em mundos diferentes por completo. É como se não soubéssemos que, continuássemos a levar nossas vidas, com seus estudos e demais atribulações. Ingenuamente conclui que ela ao menos pôde me esquecer. Ledo engano. Ontem, quando abri a caixa de correspondência, que é presa a enorme grade de ferro – que, separa a porta do velho edifício, da completa liberdade da rua -, deparei-me com um envelope de papel pardo. Ele estava amassado, e rasgado em uma das extremidades. De repente, percebi aquela letra desenhada, como se fosse perfeita. Daí, recordei que, aquela letra conhecida de longínqua data. Não tive dúvida. Virei o envelope, para ter certeza de que, ela é quem seria a remetente. Por um segundo, imaginei que, aquela correspondência havia –me sido enviada por outra pessoa – esta que também há muitos anos não havia. Embora tivesse aventado a tal possibilidade, bem lá no íntimo, em meus pensamentos, existia algo que assim, me dizia: “ Ela foi quem escreveu esta carta.”. Em conjunto com tal certeza, eis que, também, uma indagação não queria calar, e era assim:” – Porquê, depois desse tempo todo ela se lembrou de mim, logo lembrar de alguém que, ela bateu o pé, afirmando esquecer ?”. Entrei no prédio, e rumei em direção ao meu apartamento. Em lá, ingressando, fui direto ao meu quarto. Acomodei-me na centenária poltrona, e abri o envelope. Para minha completa surpresa, anexa a carta que, aproximadamente era de três folhas – veio anexo, uma porção de desenhos, e outros mimos mais. Com a devida atenção, li a carta. Pude perceber, do início ao fim que, em meio a todos os acontecimentos que, me eram narrados, existia implicitamente,forte demonstração de entusiasmo – ou seja – a mais completa sensação de felicidade. Reconheço que, a medida em que ia lendo a carta, ficava bem claro que, não era com o intuito de me colocar a par de tudo o que acontecia em seu cotidiano. Era mais que isso. Digamos que, ela pôde demonstrar de modo incisivo – que havia me concedido o seu perdão, diante daquela desagradável, e infeliz oportunidade, na qual, ambos, quer por questão de orgulho – quer seja pela incompatibilidade de gênio – ou ainda – pela bagagem cultural diferenciada que, possuímos, em razão da forma diferente como fomos educados; foi o que culminou para que pudéssemos ter aquela briga. Naquele dia, admito que fui tomado por um sentimento de cólera, esta que fez com que, viesse a perder por completo a razão, isto é, que pude dizer coisas horríveis, ao ponto de ferir-lhe o coração. Esta cólera, se apoderou da minha alma, como se fosse as larvas de um vulcão – que, descessem montanha abaixo, e impiedosamente destruísse tudo a sua volta. Diante da minha inesperada reação, ela teve de esboçar um revide. Esse revide, foi sem dúvida, por mim, mais inesperado. Também, fui obrigado a ouvir tudo aquilo que não queria – algo que, não acreditava que fosse acontecer. Nossa !, depois de tudo isso, nos dias que se seguiram, fui tomado por uma tristeza – pelo implacável sentimento de remorso. Isso me arrasou total. Só que, quando me dei por conta do ocorrido, já era tarde demais. Não teria como desfazer tudo isso – nem ao menos – tentar fazer com que, ela viesse a me perdoar.

Passaram-se os dias, semanas, um mês, dois e três. Esse tempo todo em que, estivemos sem estabelecer esse liame de comunicação – foi na mesma proporção em que me custou a colocar uma pá de cal, em cima de tudo o que, quer por uma peça que me fora pregada pelo destino – quer por outro motivo qualquer; mesmo que não tenha um bom motivo para esse inóspito fato – só sei que a mágoa que se instalou em meu coração – que quase aniquilou com minha alma, foi extremamente difícil de apagar de minha mente.

Tão logo procedi a análise acurada do que veio no envelope, tomei a iniciativa de responder a carta. Coloquei-me sentado, em minha escrivaninha, peguei umas folhas de papel, já amareladas, tomei em minhas mãos, a centenária caneta tinteiro, dei início a redação. Assim iniciei a carta- resposta: “ Minha Flor: quanto tempo que não mandavas um sinal, uma só linha, capaz de me por a tranqüilidade perdida em meu coração. Tive a grata surpresa, de hoje, pela manhã receber a carta sua. Confesso que, fui tomado por uma forte emoção, que fez com que, deixasse de lado meu orgulho de homem, que não admite sequer que de seus olhos saia uma lágrima. Você me fez chorar. Pela vez primeira eu, não tive vergonha de derramar apenas uma lágrima que fosse. Estou satisfeito diante de tudo o que você pôde ter a paciência e quis me contar. Sei que estás atribulada com o desenrolar do teu quotidiano, tua vida, e teus estudos. Olha, quero dizer a você que estou super arrependido por ter sido tão incompreensível – pela minha falta de cuidado, em não medir as palavras que pronuncio, estas por vezes infelizes como as vezes o são.Então cabe-me a única, talvez a mais correta atitude, esta que demonstra uma das mais valiosas virtudes – estas que qualquer homem pode possuir: o perdão. Então te peço: Me perdoa ! Perdoa por tudo o que fiz que foi, assim impensado, um impulso.” Nestes termos é que, iniciei a redação da carta. Sei que demorei um bocado de tempo para redigi-la, pois, remexer em lembranças, sobretudo quando estas, são trancafiadas num baú bem fundo – que, tem uma pá de cal por cima, não consiste em tarefa fácil. Por mais que tenha me causado dor, eu revolvi estas lembranças.

Na manhã seguinte, logo cedo, fui postar a carta. Claro que a coloquei em um envelope padrão – e, o meu único e pior defeito, é que minha letra é medonha de se entender. Por inúmeras oportunidades nem eu, e confesso isso, sem problemas -, não compreendo minha própria letra.

E o tempo passou. Nem recordava mais, do que eu havia escrito naquela carta, inclusive, não recordava de pronto, a data em que a postei no Correio.

O tempo passou. Coloquei-me certa feita pensativo, foi aí que, voltei a pensar na carta que eu escrevi a Flor. Indaguei-me, se ela ao menos chegou a recebe-la, ou ainda – se ao menos se deu o trabalho de perder alguns minutos para ler – ou se, a pôs na primeira lata de lixo que encontrou a sua frente.

Começava a anoitecer, quando abri a porta, dirigindo-me a frente do edifício. Abri o portão, e direcionei meu olhar, para o fim da rua. Mais precisamente, em direção a avenida.

Foi daí, então que observei que, distante, vinha uma linda jovem, com os passos apressados, o que para mim representava algo fora do comum, sobretudo para um final de tarde, em pleno final de semana – quando a cidade está mais calma. Enfoquei minha atenção, na jovem mulher, daí, como num breve clarão que se fez em minha mente, vi a imagem de Flor. Então, ai, dei-me por conta de quem, vinha em minha direção – e, que a jovem que avistava não era, se não a própria Flor só que mais linda do que, na época em que nós nos conhecemos. Abri meus braços, e quando ela se aproximou, eu a abracei bem forte, da mesma forma, ela assim me abraçou. E, ao olhar-lhe nos olhos bem fundo, fui tomado por uma emoção. Comecei a chorar. E Flor, também com lágrima nos olhos, com a mesma doçura de menina assim me disse: “ Meu bem!, nunca pude imaginar que fosses me responder a minha carta. Descartei a hipótese de que, irias tomar uma iniciativa, ao meu ver, assim nobre, que foi de me pedir que eu lhe perdoasse. E digo: a pesar de tudo o que aconteceu entre nós, àquela inóspita briga, mesmo que, o quanto ela pôde trazer grande mágoa a nós dois -, eu nunca deixei de pensar em você, esse pensar em um dia, ou um minuto sequer. Quando recebi sua carta, e a pude ler, de logo, tive uma vontade de pegar, um pedaço de papel, e rabiscar umas palavras, capazes de expressar o que estava sentindo. Foi aí que bem pensei: Eu vou ir pessoalmente agradece-lo. Veja!, estou aqui, diante dos seus olhos.”

Aquele momento foi, mágico, pois, para mim, foi uma grande oportunidade de reencontrar uma pessoa especial como Flor, jovem mulher, a quem nunca deixei de amar – em razão desse sentimento tão forte que tinha por ela, e aí, depois daquele dia nunca mais brigamos, nem tampouco voltamos a nos separar.

Porto Alegre, 07 de Outubro de 2007.

Carlitos Boscacci

Carlos Boscacci
Enviado por Carlos Boscacci em 07/10/2007
Código do texto: T684205
Classificação de conteúdo: seguro