O amor não se mendiga
– O amor não se mendiga, meu filho...
Assim começara a conversa da preta velha Vó Cambinda com o consulente que se colocara diante dela naquela noite.
– O amor, meu filho, deve ser conquistado, respeitado e valorizado. Por mais que tu ames alguém, se o sentimento não é correspondido, não vale a pena e não adianta que tu fiques a mendigá-lo. Não se humilhe a este ponto. Tenha mais amor próprio.
O consulente que se pusera diante da preta velha, primeiro recebeu um passe magnético com as mãos, com ervas e com a fumaça do cachimbo de Vó Cambinda. Depois ela pediu a ele que lhe falasse o que o trouxera até ali.
Ele dissera a ela que seu relacionamento havia terminado após quase duas décadas, muito por culpa dele, que não soubera valorizar o amor recebido, havia caído em algumas tentações, havia sido egoísta, ao mesmo tempo em que abdicara muito de si para viver esse sentimento. Parecia paradoxal o que o consulente narrava à Vó Cambinda. Ele estava sendo consumido, ou se deixando consumir pelas cobranças que a própria consciência lhe fazia.
Após as palavras iniciais, a preta velha prosseguiu:
– Filho, presta bem atenção! É bom que saiba dos teus erros, ou do que julga ser errado, mas não se cobre tanto. Aconteceu? Está acontecido e pronto. Não se deve chorar pelo leite derramado. Se já sabes onde foi o erro, agora levante-se e trate de não cometer os mesmos erros outra vez. Prossiga tua vi-da, dê um tempo pra si mesmo e recomece. Se não pode seguir com a mesma companhia, siga sozinho por um tempo para colocar as ideias no lugar e, quando estiveres bem, atrairás alguém que te acompanhará em tua caminhada. E quem sabe até não possa haver um reencontro? Afinal, ninguém conhece os desígnios de Deus, não é mesmo?
O consulente caiu em pranto convulsivo; momento em que Vó Cambinda o abraçou, fazendo com que ele sentisse uma energia tranquilizadora que emanava dela e de outros benfeitores que os circundavam. Ela falou para que ele chorasse enquanto houvesse lágrimas. Depois que ele parou de chorar, ela continuou:
– Olha, filho, enxergue tudo como aprendizado. Tu tiveste oportunidade de aprender com o amor e não aprendeste. Agora o Criador faz com que aprendas pela dor. É necessário aceitar as coisas co-mo são. Precisa também trabalhar a tua mudança interior, mesmo que aos poucos. Ninguém pode se deixar de lado e viver pelo outro o tempo todo. A vida não funciona assim. Para amar alguém, é preciso se amar antes. Pense nisso! A tua vida só depende de ti, de mais ninguém. De tudo o que te aconteceu, não procures culpas ou culpados. Se aconteceu é porque tinha mesmo de acontecer e ponto final. Aceite isso.
A preta velha parou por um instante, respirou fundo, tomou um gole do seu café amargo e deu mais uma baforada em seu cachimbo, espargindo a fumaça ao redor do campo energético do consulente. Depois deu continuidade:
– Arranca, filho, de teu peito e de tua mente todos os sentimentos ruins que estás alimentando. São eles que estão corroendo a tua alma, o teu íntimo. Joga tudo fora, joga pro universo e pede pra ser dissolvido. Também, o filho não deve ficar colocando o dedo na ferida e ficar remexendo, remoendo. Isso só causa dor e sofrimento. Te esforce mais e mais. É isso que a nega veia tinha pra te falar, agora o que fazer, é tu que deve decidir, sem medo, mas com consciência das responsabilidades pelas decisões.
Vó Cambinda deu por encerrado o atendimento, abraçou o consulente mais uma vez e falou para que ele fosse em paz e acompanhado de bons pensamentos para que tudo fosse resolvido com mais facilidade.
Cícero – 15-01-2020