Fanfic - She-Ra e As Princesas do Poder - Lágrimas Sobre Etéria - Capítulo 4

Capítulo 4

A Escalada da Redenção

— Adora! Adora! Eu te amo! — gritou a Felina, despertando assustada.

Uma dor muito forte em seu abdome a impediu de se levantar. Ela olhou em volta e notou que estava em uma espécie de cama de palha coberta por uma pele de algum animal que ela não reconheceu, mas era muito confortável. Felina reparou que estava em dentro do que parecia ser uma cabana. As paredes eram de madeira, feitas com troncos na horizontal, um em cima do outro. O teto do lugar era de madeira também, mas apenas em sua armação, pois ele era coberto por palha. Ainda no teto, bem no meio da cabana, tinha um lustre de ferro pintado de preto, que havia várias velas acessas, o que não adiantava muito para iluminar o lugar, pois já era noite, como constatou a Felina, ao reparar na pequena janela de madeira logo atrás de sua cama. A Felina notou que estava em uma parte alta da cabana. Ela tentou se levantar, quase gritando de dor, só agora reparando que estava com faixas em volta de seu abdome. O piso do lugar era de madeira, composto por planchas largas. Ao conseguir se levantar, a Felina voltou a reparar no lugar em que estava, pois ela queria saber o que tinha acontecido e se aquele lugar era seguro. Ela reparou na estante ao lado da cama. A estante estava cheia de frascos e outras coisas que ela não reconheceu ou achou utilidade. Ainda ao lado da estante, tinha uma bacia de ferro, que estava com um pouco de água. Felina sentiu um cheiro bom de comida, o que deu forças para ela caminhar vagarosamente até o final da parte elevada. Ao chegar no final, Felina ficou surpresa ao ver o resto da cabana, que no lado direito onde ela estava tinha uma escada de madeira, que era um pouco estreita. Na parte baixa, haviam várias janelas menores, que estavam abertas, deixando um pouco da luz lunar entrar. Felina reparou que o lugar era aconchegante, pois haviam peles de animais por vários lugares no chão e logo na sua frente, na parede em paralelo, tinha uma lareira, que estava acessa com a madeira estalando. A lareira era feita por rochas e logo na frente tinha várias peles por cima de uma pilha de palha. Nas paredes também haviam várias estantes com vários utensílios culinários, roupas e ferramentas. Ao continuar a reparar em tudo, Felina finalmente encontrou o que queria, caso o lugar não fosse seguro. Era a porta da cabana, que ficava no meio da parede da esquerda. A porta era baixa e de madeira. Ao descer as escadas com dificuldade, Felina ficou surpresa ao ver que o local onde ela estava, ficava em cima do que parecia ser a cozinha da cabana, que estava muito mais iluminada que o resto, mesmo só tendo uma janela pequena no meio da parede em paralelo a lareira. O chão da cozinha não tinha peles de animais e no meio dela, tinha uma mesa com o topo redondo, que era feito em madeira com pranchas estreitas. Em volta da mesa tinha três cadeiras de madeira, que a Felina pensou em correr até uma delas, por causa de seu ferimento, mas se conteve para continuar sua exploração com os olhos. Ela viu o balcão em L da cozinha, que tinha um fogão a lenha, que era preto e estava com algumas panelas sobre ele. Nas paredes da cozinha também haviam várias estantes menores, logo acima dos balcões. As estantes estavam cheias de frascos com temperos e comida. A Felina estava com muita fome, o que a fez notar um suculento pão caseiro sobre o balcão, mas ela não avançou por causa da pessoa que estava cozinhando.

— Pensei que não acordaria — disse uma mulher, que experimentava um pouco da comida que estava sendo preparada.

A Felina fitou bem a mulher, que tinhas mais de 60 anos, algo notável por suas marcas de idade. A mulher era de baixa estatura e parecia fora de forma. Os cabelos dela eram compridos, mas estavam amarrados em forma de um coque grisalho. Os olhos dela eram azuis e passavam uma sensação de paz, algo que a Felina notou e a fez pensar que talvez aquela mulher não fosse uma ameaça. As roupas da mulher eram um vestido verde-escuro comprido, que tinha um grande bolso bege na frente, mas suas roupas estavam quase todas cobertas por uma pele de um animal, que fez a Felina pensar em como aquela senhora poderia ter matado um animal selvagem para poder usar sua pele. A Felina notou até nos sapatos da mulher, que eram botas de couro preto, que possuíam os canos altos, talvez para evitar bichos ou cobras, pensou ela.

— O-onde eu estou? — A voz da Felina estava muito fraca.

A mulher guardou a colher que tinha usado para experimentar a comida e sorriu para a Felina, que começou a cambalear por causa da dor.

— Na minha casa...

A Felina foi caindo, mas a mulher chegou a tempo e a colocou sentada em uma cadeira.

— E-eu notei...

— Acho que você está com sede e fome. — A mulher correu para pegar uma jarra de ferro e um copo também de ferro. Ela encheu e colocou sobre a mesa e viu que a Felina ficou examinando o conteúdo, o que fez a mulher sorrir. — Não está envenenado. Vamos, Gatinha. Pode beber.

Finalmente a Felina bebeu, se engasgando por causa da rapidez que bebeu, ao ver que ela tinha se recuperado, a mulher sorriu e perguntou:

— Quer um pouco do pão que você estava olhando?

A Felina fez que sim com a cabeça e a mulher entregou o pão para ela, que começou a mordê-lo, sem esperar que um pedaço fosse cortado, o que a fez mulher sorrir novamente.

— Gatinha, coma devagar.

Depois de comer e beber um pouco mais de água, Felina fitou bem a mulher que voltou a cuidar da comida sobre o fogão.

— Onde eu estou? O que aconteceu?

— Você tem muitas perguntas, Gatinha, mas vamos deixar para a hora do jantar.

Felina ficou esperando por alguns minutos.

— Já terminou?

— Sim. Poderia pôr a mesa?

— Como eu faço isso?

— Você pega os pratos e arruma-os sobre a mesa. Tenho certeza que você consegue. Notei que você é muito forte, Gatinha. Seus ferimentos não vão atrapalhar.

Sem saber muito bem o que fazer, a Felina foi procurar os pratos nas estantes e os achou, ela pegou dois e os colocou sobre a mesa.

— Terminei. Podemos conversar agora?

— Claro. — A mulher colocou uma panela sobre o centro da mesa. O cheiro agradável de comida fez a barriga da Felina roncar. — Só mais um detalhe.

A mulher pegou outra jarra e espremeu o que parecia se alguma espécie de fruta em dentro da jarra. Depois que terminou o suco, ela pegou duas colheres, uma concha e os copos, antes de se sentar à mesa.

— Como eu cheguei aqui? — perguntou a Felina, enquanto a mulher enchia o prato dela, com o que parecia ser uma espécie de ensopado.

A Felina foi comer com as mãos, mas foi impedida pela mulher que entregou uma colher para ela.

— Tenha modos. — A mulher saboreou um pouco do ensopado e a Felina fez o mesmo, mas usando a colher. — Você chegou dos céus, Gatinha...

— Pare de me chamar de Gatinha.

— Você não falou seu nome...

— Primeiro fale o seu. — Felina já estava quase terminando seu prato, o que deixou a mulher orgulhosa.

— Me chamo Panacea e você?

— Eu sou Felina...

— Prefiro Gatinha.

A Felina demonstrou não gostar de ser chamada daquela forma por sua expressão.

— Eu quero saber como eu cheguei aqui. Sem essa explicação que cheguei dos céus...

— Do que você se lembra?

Ao tentar se lembrar, um turbilhão de lembranças invadiu a mente da Felina. Ela se lembrou o que tinha feito com a Adora. Felina sentiu uma dor em seu coração, o que a forçou a levar uma mão sobre o peito. Seus olhos se encheram de lágrimas.

— Eu morri... para salvar a Adora.

Aos prantos, Felina foi surpreendida pela Panacea, que foi abraçá-la.

— Não tenha medo de expor seus sentimentos. Aqui não é mais preciso escondê-los...

— Que lugar é este?

— Vou contar amanhã. Você deveria descansar. Você tem muita coisa em que pensar.

Panacea ajudou a Felina a chegar ao quarto da cabana e a Felina logo adormeceu.

O som de pássaros cantando fez a Felina despertar assustada. Ela escutou a Panacea rindo do lado de fora da cabana, o que fez a Felina descer as escadas e sair da cabana, ficando surpresa com o local onde ela estava; que parecia o fundo de um desfiladeiro com uma parede de rochas na frente e outra logo atrás. As paredes eram tão altas que não se podia ver o final, principalmente pela camada de nuvens que pareciam cobrir os céus naquele lugar. No meio do lugar havia um rio estreito e uma ponte de madeira, logo na frente da cabana. O lugar ainda tinha algumas árvores, mas o que deixou a Felina confusa, foi sentir o sol e a sensação de calor dele, mesmo com o céu nublado, que tinha suas nuvens estacionadas de forma não natural.

Panacea estava lavando algumas faixas sujas de sangue no rio, enquanto alguns pássaros voavam em volta dela, o que a fazia rir.

— Que lugar é este? — perguntou a Felina, se aproximando.

— Antes de responder, eu tenho algo para você. — A mulher entregou uma bengala para a Felina, que não queria aceitar no começo, mas estava se sentindo cansada por causa dos ferimentos, o que a forçou a aceitar e se apoiar sobre ela.

— Você não quer contar que lugar é este?

A Felina se sentou à margem do rio.

— Nem eu sei ao certo que lugar é este...

— Diga a verdade! Eu morri e aqui é alguma espécie de purgatório?

A Panacea começou a gargalhar.

— Eu pensei o mesmo no dia que cheguei aqui, mas não é um purgatório. Você não morreu...

— Que magia é essa? — perguntou a Felina, apontando para o céu nublado.

— Também não sei...

— Você não sabe nada?!

— Sei que você não morreu...

— Como eu não morri?! Eu estava muito ferida e cair...

A Felina finalmente começou a deduzir, o que deixou a Panacea orgulhosa a fazendo confirmar as suspeitas da Felina:

— Isso mesmo, Gatinha. Aqui é o final do precipício.

— Era para eu ter morrido. Olha a altura disso aí.

A Panacea colocou a faixa já limpa em dentro de uma bacia de ferro.

— Muitos caíram aqui no dia que eu a encontrei, mas todos estavam mortos, menos você. — A Panacea riu fitando o céu. — Acho que alguma coisa não quer você morta...

— Como assim?

— Você acabou caindo no único local onde alguém poderia te salvar dos seus ferimentos.

— Você é alguma espécie de médica?

— Já fui. — O semblante da Panacea ficou bem sério e ela se levantou, fazendo a Felina a seguir até a cabana.

— Poderia me contar mais sobre este lugar? — Felina se sentou à mesa da cozinha, enquanto a Panacea pegava o que parecia ser um bolo de frutas.

— Não sei muito. Só sei que, as pessoas que caem aqui só sobrevivem se tiverem alguma coisa que deixaram por fazer, ou se não tiverem satisfeitas com o que conquistaram.

— Só eu que sobrevivi da Horda e do Reino da Mágica?

— No dia que eu te encontrei, logo deduzir que tinha havido uma grande batalha lá em cima. — Panacea se serviu de bolo e serviu a Felina, que comeu sem fazer cerimonias, percebendo que estava muito bom. — Muitos caíram aqui. Também caíram máquinas, mas o rio levou tudo, menos você, que estava viva e se prendeu a uma rede de pesca minha.

— Não teve mais ninguém?

— Acho que os soldados que caíram estavam satisfeitos com o que tinham conquistados, por isso nenhum sobreviveu.

A Felina já começou a comer o segundo pedaço.

— E o meu ferimento? Se eu sobrevivi a queda como explica o meu ferimento?

— Com certeza este lugar tem algum tipo de magia, que impede as pessoas de morrerem pela queda, mas que não cura os ferimentos que elas conseguiram antes de cair. — Panacea ficou bem séria. — Mesmo você querendo viver, acabei por ter muito trabalho em mantê-la viva. Achei que você não sobreviveria depois da primeira semana...

— Semana?! Quanto tempo eu dormir?

— Duas semanas.

Abalada com a revelação, Felina pensou na Adora. Será que ela conseguiu seguir em frente? Pensou ela.

— É muito tempo. Acho que é o preço a se pagar por ser mortalmente ferida pela She-Ra...

— She-Ra é sua amiga, ou seria a Adora?

— Como você sabe esse nome...

— Adora? Você não parava de chamá-la em seu sono nada tranquilo. — Panacea pegou uma jarra de suco e serviu a Felina. — Ela é sua namorada ou algo assim? Você falou que a amava várias vezes.

A Felina ficou corada, fazendo a Panacea sorrir, tomando um pouco de suco em seguida.

— Ela já foi a minha amada... mas eu estraguei tudo...

— Tem certeza que ela já foi a sua amada? Para mim ela ainda é.

— Do que adiantaria agora? Ela acha que eu morri e eu fiz muito mal a ela. Acho que assim é melhor. Pelo menos a Adora poderá ser feliz...

— E você, Gatinha? Não que ser feliz?

Confusa, Felina comeu outro pedaço de bolo para disfarçar.

— Não sei o que eu quero. Só sei que não quero fazer mais mal para a Adora. Nunca mais... — Felina juntou um pouco de coragem para continuar: — Mesmo que para isso... eu nunca mais a veja.

— Se você acha que é o certo a se fazer e é o que quer, eu não posso impedi-la. Bem-vinda ao meu lar. Acho que vamos viver juntas por um bom tempo.

— Não quero atrapalhar...

— Já viu como é este lugar? Não tem nada aqui. Vou ficar feliz em conversar com alguém que não seja um animal... — Panacea fitou a Felina e sorriu. — Pelo menos um animal que responda.

— Você nunca viu outros iguais a mim?

— Não. Pelo menos não no reino que eu vivia...

— Eu também nunca vi outros iguais a mim.

A Felina ficou um pouco triste ao se lembrar que é órfã e nunca conheceu seus pais ou outros da sua espécie.

— Vamos trocar suas faixas, e preciso que você me faça companhia na cozinha. Acho que minha rede já conseguiu o jantar de hoje.

— Eu vou — disse a Felina, demonstrando um pouco de empolgação.

Já se havia passado algum tempo desde que a Felina decidiu viver com a Panacea, algo que era notável pelo jeito mais a vontade da Felina de se deitar sobre algumas peles na frente da lareira da cabana da Panacea. A lareira estava acessa, por ser uma noite fria.

— Você vai querer algumas frutas? — perguntou a Panacea, se aproximando com uma cesta cheia de fruta e uma faca para descascá-las.

Felina saiu de sua posição, como se fosse um gato enrolado para dormir, fitou a cesta de frutas e se sentou.

— Sabe que eu nunca dispenso comida, principalmente se for algo que eu nunca comi na Zona do Medo.

A dona da cabana acabou rindo, fazendo a Felina sorrir.

— Vejo que sua habilidade com pesca está melhorando — elogiou a Panacea, se sentando nas peles ao lado da Felina.

— Logo conseguirei pescar meu primeiro peixe sem usar as mãos, apesar que é tão mais fácil...

— Por você ser uma Gatinha?

As duas acabaram rindo, mas de repente a Felina ficou séria e pegou um pedaço da fruta vermelha que a Panacea tinha acabado de descascar.

— Eu estive pensando... já faz um tempo que eu estou morando aqui com você. Não que eu ache dormir aqui no chão ruim, mas eu queria saber se eu poderia construir um quarto aqui na sua casa?

A Panacea ficou com o semblante sério e comeu um pedaço de fruta antes de responder:

— Não vai ser necessário...

— Como assim?! Pensei que fossemos amigas?! — Felina ficou muito confusa com a reação da Panacea, até que ela pensou em algo e propôs: — Já sei! Você poderia me ajudar a construir uma casa aqui ao seu lado? Seremos vizinhas. O que acha?

— Não vai ser necessário...

— Só vai ficar falando isso?! Você não me quer como vizinha?

A Panacea sorriu e fitou bem os olhos da Felina.

— Eu preciso contar algo para você...

— O que é? — Felina bufou irritada com a nova amiga. — Espero que não seja que aqui realmente é uma espécie de purgatório...

Depois de uma longa risada, Panacea começou a revelar:

— Eu não sou a primeira a chegar neste local. Você não é segunda a chegar aqui. Sempre vão chegar outros e todos vão acabar indo embora. Com você não é diferente.

A Felina ficou bem séria.

— Por que você acha isso?

— Gatinha... eu sei que todas as manhãs, antes do café da manhã, você costuma olhar os rochedos e soltar um longo suspiro, ao imaginar como seria difícil a subida. Também não tem como notar os momentos que você fica pensativa e distraída. Tenho certeza que será uma questão de tempo até você decidir subir o rochedo...

— Eu não vou subir o rochedo! Já tomei a minha decisão!

Panacea se postou na frente da Felina, que parecia muito incomodada com a conversa.

— Você vai. Eu já vi isso em outros que chegaram aqui. Você só passou um mês aqui, mas eu já vi outros que passaram anos e um dia resolveram subir o rochedo e voltarem para suas vidas. O mesmo será com você, mas acho que você está com...

— Medo? — Felina não aguentou e desabou em lágrimas, Panacea a abraçou e, mesmo a Felina com seu histórico antissocial, não achou ruim, pensando que aquilo seria o que uma mãe de verdade faria.

— Pode contar para mim. Estou aqui para escutá-la.

A Felina se soltou do abraço e enxugou os olhos com as costas das mãos.

— Eu sempre amei a Adora, mas acabei a ferindo muito por causa disso. Só que um dia, eu pude imaginar ela ao meu lado, mas acabei estragando tudo novamente... — Felina pareceu reunir forças para continuar: — No dia que eu cair aqui neste lugar... foi por escolher o caminho fácil. Algo que eu sempre fiz em toda a minha vida... Se eu morresse, não precisaria se preocupar com o depois. Com a minha vida com a Adora, pois como acabaríamos vivendo: Adora lutando contra a Horda em forma de She-Ra durante o dia e depois chegando em casa à noite como se fosse algo normal? Não sei se poderia viver assim? Eu amo a Adora, mas também estou cansada de lutar e com medo. Um dia eu acabei até imaginando se eu e a Adora fugíssemos. Longe da Horda e da Rebelião, mas eu tenho certeza que a Adora não conseguiria deixar a Horda acabar com Etéria. — Ela acabou sorrindo. — É algo que eu amo na Adora, ela sempre vai querer fazer o que é certo, mesmo que isso possa ser difícil e ela tenha que fazer alguma espécie de sacrifício próprio. Ela é uma boa pessoa, diferente de mim, que prefere morrer do que tentar fazer dar certo ao lado dela... Eu sinto a falta dela.

— Você deveria voltar para ela. Já que a ama tanto, tenho certeza que as duas vão conseguir fazer dar certo.

— Não sei se eu consigo.

A Panacea soltou um longo suspiro e se arrumou sobre as peles.

— Eu vou contar como eu vim parar aqui...

— Gostaria muito de saber sua história, mas nunca tive coragem de perguntar.

Antes de começar a contar, Panacea soltou uma risada e logo depois ficou bem séria:

— Eu fazia parte de uma família de curandeiros muito famosos nas terras que eu vivia. Logo cedo meus pais me ensinaram a arte da cura, mas não havia apenas eu como discípula. — Panacea parecia se lembrar de algo bom pelo sorriso que soltou. A Felina se arrumou ficando de joelhos com as mãos sobre as pernas, completamente atenta a história, o que deixou a Panacea mais confiante em continuar: — Eu e o homem que se tornaria meu marido, logo conseguimos chamar a atenção de todas as pessoas nas terras em que vivíamos. A gente erámos lendas na época. Até acabamos chamando a atenção do rei do lugar em que vivíamos. Conhecer o rei pessoalmente era coisa mais impressionante que aconteceu em nossas vidas naquela época. Era algo difícil para qualquer um ter uma audiência com o rei e lá estávamos de frente com ele, que precisava de nossa ajuda para curar uma doença rara que o impedia de sair em público. O que explicava a vida reclusa dele. Foi fácil para mim e meu namorado, na época, conseguir curar o rei, que ficou muito agradecido e deu um lar para gente na cidade próxima ao castelo.

— Vocês continuaram servindo o rei? — perguntou a Felina, pegando uma fruta e entregando para a Panacea, que sorriu e começar a descascá-la.

— Eu acabei me casando com o meu namorado naquela cidade e sim... continuamos servindo o rei, até que... — Panacea entregou a fruta para a Felina. A dona da cabana ficou tão séria e pensativa, que a Felina até ficou preocupada. — O rei não era a pessoa bondosa que achávamos que era. Ele até nos enganou criando clínicas por todo o reino, que a gente fazia questão de visitá-las uma vez por mês. Só fomos descobrir as intenções malignas do rei no dia que ele pediu para a gente fazer o impensável; ele avisou que um nobre pediria para gente curar sua filhinha, mas era para nós recusar e só aceitar depois que ele mandasse. O rei usaria a doença da filha do nobre para chantageá-lo, pois o nobre sabia de uma revolta contra o rei e quem fazia parte dela.

— Você aceitou fazer isso?

— Não queria... Isso ia contra tudo o que eu passei a vida aprendendo, mas eu era jovem e ambiciosa, por isso, acabei aceitando, mesmo meu marido não querendo fazer parte de algo tão terrível. O rei prometeu um reino para gente. Claro que seriamos vassalos do nosso atual rei. Na época não foi difícil para mim aceitar. Só que as coisas não ocorreram tão bem assim. — Os olhos da Panacea se encheram de lágrimas. — Não havia revolta. O rei só queria as terras do nobre, que aceitou os termos para salvar sua filhinha, mas no dia que fomos curá-la, já era tarde, pois a doença da garotinha já tinha levado a vida dela. Até hoje me lembro daquele homem amaldiçoando eu e meu marido.

— Como vocês ficaram por causa disso? Fico imaginando como viver sendo responsável por algo tão terrível? Algo assim nem se compara ao que eu já fiz.

— A gente não vive, mas o tempo é o melhor remédio para diminuir a dor. Eu e meu marido conseguimos nosso reino, o mais sadio de toda a Etéria. O tempo foi passando e tivemos um filho, que se tornou nossa alegria. Ainda mantínhamos contato com o rei, que sempre pedia para deixar nosso filho visitar a filha dele. Praticamente erámos parte da família real naquela época. Um dia, ao visitarmos o reino para trazer nosso filho de volta para casa, ficamos assustados, pois uma praga estava se alastrando por toda parte. O rei se trancava em seu castelo, enquanto as pessoas morriam. Não sabíamos o motivo dele ter escondido algo tão grave da gente, até que descobrimos que a praga era a doença que a garotinha que nós não salvamos tinha. Algo tinha mudado na doença e ela se tornou uma praga mortal. Agia de forma rápida e não tinha cura. O rei já estava contaminado e não queria que eu e meu marido se sentíssemos culpados pelo ocorrido... Acho que nos últimos dias de vida do rei, ele tentou ser uma pessoa bondosa. O pior foi no dia em que...

— Não precisa continuar — disse a Felina, ao ver a Panacea aos soluços.

— Eu vou continuar... Faz tempo que não conto minha história para alguém. Nosso filho acabou contraindo a praga. Fizemos de tudo para curá-lo, mas não conseguimos... E-ele... m-morreu em meus braços. — A Felina abaraçou a Panacea para confortá-la. — Desculpe por isso?

— Não deveria pedir desculpas por isso. — Os olhos da Felina estavam cheios de lágrimas.

A Panacea se soltou do abraço e tentou se recompor.

— O meu marido ficou muito abalado com o ocorrido. Ele me culpou dizendo que era uma justiça divina: “Um filho por outro filho.” Dizia ele. Mesmo com tudo de ruim que estava acontecendo eu continuei procurando uma cura, mas meu marido não aguentou e acabou tirando a própria vida se contaminando com a praga. — Panacea soltou um longo suspiro antes de continuar: — Eu tinha perdido tudo, mas com o corpo do meu marido, conseguir achar uma cura. Eu me tornei uma heroína naquele reino que não era mais um reino, já que quase todo mundo tinha morrido. Eu não tinha mais nada. Tinha perdido tudo que eu amava e ainda fui responsável pela morte de milhares, por isso comecei a vagar por Etéria, até que um dia, cheguei em um precipício e me joguei achando que encontraria minha filha e meu marido, mas acabei acordando na margem do rio na frente de onde eu construiria esta cabana. Acho que foi alguma forma de punição pelas atrocidades que eu cometi.

— Sinto muito pelo que aconteceu com você.

— Quer saber se eu acho que você deveria voltar? — Panacea fitou a Felina, que respondeu positivamente balançando a cabeça. — Deveria, mas não apenas pelo motivo que você acha ser o certo.

— Por qual motivo a mais eu deveria voltar, então?

— Você tem que descobrir por si só. — Panacea enxugava os olhos com um pano.

— Outras pessoas já vieram aqui antes e todas conseguiram voltar? Você nunca tentou voltar?

— Este lugar é mágico. Acho que você já notou isso? Eu tentei três vezes, mas acho que não consigo achar um motivo para realmente querer voltar. Eu já perdi tudo o que tinha, por isso, preferir tentar viver aqui e ajudar outros que aparecessem sem saber o que fazer. Acho que no final continuo ajudando a curar as pessoas de alguma forma.

Felina se levantou de forma muito confiante.

— Eu vou tentar voltar para a Adora. Acho que no final você tem razão que, se eu amo tanto ela, com certeza posso fazer dar certo.

— Fico feliz em ouvir isso. Posso dar algumas dicas, mas antes acho melhor você descansar. Já é bem tarde.

A Felina se espreguiçou levantando os braços e depois se deitou enrolada, igual a um gato, em cima das peles, que a Panacea abriu espaço para ela.

— Boa noite, minha Gatinha.

— Boa noite.

A Panacea se levantou e ficou olhando para a Felina, que começou a dormir.

— Espero que consiga se reunir com seu amor.

Na manhã seguinte. Panacea tinha acordado cedo com um barulho do lado de fora de sua cabana. Ela foi descobrir que barulho era e ficou surpresa ao ver a Felina fazendo algumas flexões. Felina parou com as flexões e começou a correr de um lado para outro.

— Bom dia — disse a Panacea, soltando um longo suspiro de desapontamento.

— O que foi? — perguntou a Felina, voltando para as flexões. — Bom dia.

— Não deveria gastar toda sua energia. — Panacea apontou para o rochedo. — Não é fácil subir tudo isso.

— Eu notei só de olhar, mas fiquei muito tempo parada e não quero ter dificuldades por isso.

— Vamos tomar café da manhã. Eu tenho algumas dicas para dar e tenho que preparar alguns suprimentos para sua jornada.

Felina aceitou a oferta e entrou na cabana.

A Panacea começou a esquentar água para preparar um chá, enquanto a Felina se sentou à mesa.

— Como é a subida? — perguntou a Felina, pegando um pedaço de bolo de frutas, que estava sobre a mesa.

— É difícil, mas a pior parte não é a subida e sim o teste.

— Teste?

A dona da cabana serviu chá para a Felina e logo em seguida se sentou à mesa.

— Não sei o motivo deste lugar ser assim, mas ao subir você será testada. Foi no teste que eu falhei três vezes.

— Que tipo de teste é? — Felina tomou um pouco de chá e voltou a comer outro pedaço de bolo.

A Panacea separou um pedaço do bolo, antes que a Felina terminasse de devorá-lo por completo.

— Para cada pessoa é diferente... Este lugar costuma falar com você na hora da subida. Acho que ele só deixa alguém sair se a pessoa estiver disposta a enfrentar seus medos. — Panacea comeu um pouco de bolo. — Pelo menos para mim foram os meus medos, mas outras pessoas que falharam na primeira tentativa me contaram que o teste foi diferente.

— Sempre tem que ter magia. — Felina bufou, desapontada.

— Se você não conseguir na primeira vez, não fiquei triste... Já vi pessoas tentarem mais de cinco vezes...

— Você realmente não quer tentar novamente?

A Panacea começou a rir.

— Não. Já estou velha para isso e já tomei minha decisão há muito tempo.

Depois do café da manhã. Felina se postou na frente do rochedo, logo na frente da cabana, bem depois do rio. Panacea a mandou esperar antes de começar a subir, pois ela tinha algo para ajudar. Felina já estava ficando impaciente, por sentir falta da Adora.

— Cheguei! — gritou a Panacea, deixando a Felina surpresa ao vê-la com uma bolsa de couro marrom e uma capa de pelos marrons de algum animal. — Tenho algumas coisas para ajudá-la.

Felina pegou a bolsa e notou que estava pesada ao colocá-la a tiracolo.

— São suprimentos?

— Bastante comida e uma capa para protegê-la do frio. Ao se aproximar do topo, o lugar vai ficar muito frio e poderá chover um pouco.

As duas ficaram se olhando, depois que a Felina colocou a capa. Panacea parecia que desabaria em lágrimas a qualquer instante e ela foi surpreendida por um abraço da Felina.

— Obrigada por tudo.

— Eu que agradeço por me fazer companhia.

— Acho que nunca mais vamos nos ver...

— Não se preocupe com isso. Tenho certeza que jamais vou esquecer de você. Minha Gatinha.

A Felina se soltou do abraço e sorriu.

— Também não vou me esquecer de você... Acho que você foi o mais perto de uma mãe que eu já tive... Agora acho melhor começar minha escalada.

— Vá atrás do seu amor, minha Gatinha.

Ao subir com facilidade o começo, Felina sorriu, pois notou que ainda estava em forma para uma escalada. Ela olhou para baixo e viu a Panacea indo se sentar à beira do rio para poder observá-la.

A subida continuou sem muitas surpresas, com a Felina olhando uma hora ou outra para trás para ver se a Panacea ainda a observava. Algo começou a deixar a Felina confusa; era o fato que ela parecia se aproximar das nuvens do lugar. Ao chegar até as nuvens, Felina parou e ficou observando elas, que se pareciam até como uma espécie de teto no lugar.

— Magia. De novo magia. — Felina estava muito desapontada.

Com cautela, Felina tocou nas nuvens. A mão dela atravessou e raios correram pelas nuvens se afastando do local em que ela tocou. Depois de respirar fundo e juntar coragem para atravessar, assim fez a Felina. Algo estranho aconteceu, pois parecia que ela tinha mergulhado em um lago. Do outro lado das nuvens, Felina saiu ofegante como se estive submersa em um lago, mas ela não estava molhada e ao olhar para baixo viu que o chão do lugar eram nuvens, que ainda tinha raios correndo por elas por causa da passagem da Felina, que se segurou no rochedo com muita força. Ao olhar para trás, Felina notou que não estava mais no mesmo lugar, pois não havia o outro rochedo, apenas um horizonte infinito e muito claro, sendo a parte baixa do lugar todo coberto por nuvens. Ao olhar para cima, Felina reparou que o rochedo era muito mais alto do que ela via no local em que estava e que o lugar tinha nuvens, igual na parte baixa. As nuvens pareciam um pouco carregadas, parecendo que choveria a qualquer instante.

— Mais magia. Tenho que continuar a subir.

A escalada foi fácil para a Felina, que notou que parecia que o rochedo ficava mais alto a todo instante, o que a forçou a se apressar, porém, logo ela ficou com fome e parou para comer uma fruta que parecia uma maçã.

— Assim você vai gastar todas suas forças — disse a voz da Cintilante. Voz que a Felina logo reconheceu e se assustou, quase soltando a mão que segurava em uma pequena saliência do rochedo.

— Cintilante?! — gritou a Felina, olhando em volta. — A Adora mandou você me procurar?

— Não. Você deveria continuar subindo, se realmente ama a Adora...

— Cadê você?! — Só agora a Felina achou que aquilo poderia ser parte do teste. — Este é o teste?!

— Sim — respondeu a Cintilante, aparecendo flutuando ao lado da Felina, que quase se soltou de susto.

— Vou seguir seu conselho e continuar a escalar...

— Claro que você pode fazer isso, mas não acha que você está sendo egoísta?

— Egoísta? — Felina voltou a escalar.

— Já faz tempo que você caiu aqui. Já pensou que talvez a Adora já tenha seguido em frente?

— Não faz tanto tempo assim... Mesmo que ela tenha seguido em frente, eu preciso vê-la... Mesmo que seja apenas mais uma vez...

— Sempre egoísta. Não sei como a Adora não desistiu de você antes?

— O teste é me irritar?! — Felina perguntou, como se estivesse falando para outra pessoa que não estava presente ali.

— Você deveria perguntar o motivo de eu estar aqui — disse a Cintilante, se teletransportando para o outro lado da Felina.

— Isso é fácil... Para me irritar.

— Na verdade eu estou aqui para mostrar a verdade para você.

— Que verdade? — A Felina parou para recuperar o fôlego.

— A verdade sobre seu egoísmo. Só alguém egoísta como você para voltar depois de tanto tempo e achar que tudo vai correr bem, como se nada tivesse acontecido.

— O que você quer que eu faça?! Eu amo a Adora e não posso viver sem ela!

A risada da Cintilante deixou a Felina mais irritada.

— Será mesmo que você ama a Adora? Não se lembra o que fez comigo e os amigos dela; como na vez que você me capturou e por causa disso acabei sofrendo muito nas mãos da Sombria. Também tenho que lembrar da Entrapta, que todo mundo achou que tinha morrido, mas na verdade ela só virou sua nova ferramenta para atacar a Rebelião. Você não ama a Adora. Se amasse ela, nunca teria feito mal a mim e nem aos outros amigos dela...

— Eu me arrependo do que fiz! Já pedir perdão para Adora!

— Será que é o suficiente?

Felina ficou muito irritada e jogou uma fruta na Cintilante, que desapareceu rindo. A fruta seguiu por alguns metros até cair nas nuvens, fazendo raios percorrerem elas, saindo do local onde a fruta a atingiu.

— Se eu soubesse que era só jogar alguma coisa, já teria feito isso logo no começo.

A escalada pôde continuar e durou várias horas. Aquele lugar começou a ficar escuro, como se a noite estivesse chegando, o que forçou a Felina a chegar em um lugar que ela deduziu ser uma grande saliência, que daria para ela dormir. Ao chegar ao local, Felina conseguiu descansar, pois era possível ficar sentada. Ela comeu um pouco e logo adormeceu, abraçando as pernas e repousando a cabeça sobre os joelhos. O Lugar estava ficando frio, o que acordou a Felina, que se enrolou melhor na capa, dormindo novamente em seguida.

— Que negação — disse a voz da Sombria, fazendo a Felina despertar.

— Claro que a Velhota seria usada — disse a Felina, procurando pela Sombria, que logo surgiu flutuando em sua frente.

— Continua preguiçosa e insolente...

A Felina jogou uma fruta na Sombria, mas ela não foi embora. A fruta a atravessou e fez as nuvens criarem seu show de raios ao serem atingidas por ela.

— Não tinha alguém melhor para me atrapalhar?!

— Se eu tivesse de treinado direito, com certeza já teria conseguido subir esse rochedo.

— Você tem razão em uma coisa. — A Felina começou a escalar novamente. — Se eu chegar logo ao topo, não vou precisar continuar te escutando, Velhota.

— Continua me chamando assim...

— Velhota! Velhota!

— Eu não me importo mais como você me chama. Sei que é por continuar me vendo como seu maior exemplo materno...

— Exemplo materno?! Você nunca foi como uma mãe para mim e nunca será! Você é pura maldade e foi muito abusiva comigo em minha infância...

— Já se perguntou o motivo de eu tratar a Adora diferente?

— Por ela sempre fazer o que você queria... Até o dia que ela abandonou todo mundo...

A risada da Sombria deixou a Felina confusa.

— Era por ela ser um excelente soldado...

— Você nem conseguia vê-la como uma filha. Se você fosse um excelente exemplo materno, não teria a treinado como um soldado.

A Felina se irritou mais ainda e começou a escalar com pressa, sem notar que estava machucando seus dedos.

— Se você não me visse como um exemplo materno, não ficaria me chamando de Velhota. Você só me chama assim para tentar me humanizar perante você...

— Não é verdade! Se você fosse um bom exemplo materno, eu não teria me tornado alguém tão ruim e nem a Adora...

— Adora ruim? — A gargalhada da Sombria só servia para deixar a Felina mais irritada, que nem ligou ao arranhar o braço no rochedo. — Adora se tornou uma boa pessoa, mesmo com o treinamento que ela teve por uma mentora que, fracamente, é uma pessoa ruim. Sabe por quê? Ela fez uma escolha; ficar chorando por ter tido uma péssima criação ou se tornar uma pessoa melhor. Mas olha para você... Sempre escolhendo o caminho mais fácil. Me culpar pela péssima pessoa que você se tornou não vai servir de desculpa por muito tempo. Você teve várias chances de escolher o mesmo que a Adora, mas preferiu continuar chorando. — Sombria balançou a cabeça em negação. — Se eu tivesse de criado direito, com certeza você nem estaria aqui. Acho que a Adora só se apaixonou por você por pena...

A Felina continuou se apressando. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Ela não se apaixonou por mim por pena, mas sim por ser melhor que você! Por ser melhor que eu! Por ser melhor que qualquer pessoa na Horda!

A Sombria ficou gargalhando e a Felina acabou escorregando. Ela foi tentando se segurar desesperada, mas só conseguiu arranhar os braços e as mãos. Ao se segurar em uma pequena saliência, Felina gritou por causa do esforço de segurar todo seu corpo por uma mão. O vento começou a sobrar muito forte, fazendo a bolsa abrir, derrubando todas os suprimentos. Felina tentou fechar a bolsa, mas notou que seu braço estava machucado.

— Eu não vou cair! — gritou ela, tentando se levantar.

O esforço foi muito grande e a Felina acabou escorregando novamente. Ela rolou e caiu de costas em uma grande saliência, que cabia todo seu corpo. A dor que ela sentiu com a queda a fez ficar inconsciente.

Uma garoa fez a Felina despertar. Ela viu que já era dia, pois o lugar onde ela estava tinha ficado claro novamente. Ao tentar se levantar, sentiu uma imensa dor no braço. Ela estava cheia de arranhões e alguns cortes menores.

— Não posso desistir agora...

A risada familiar da Entrapta fez a Felina procurar por alguém no horizonte infinito.

— Eu teria feito uma bolsa melhor — disse a Entrapta, aparecendo flutuando na frente da Felina.

— Não acredito que vai tentar a usar a Entrapta para me fazer falhar?! Nem somos tão próximas assim!

— Não somos próximas? Eu pensei que você gostasse de mim.

A Felina conseguiu se levantar e, com dificuldade, voltou a escalar o rochedo.

— Vamos lá! Faça o seu melhor para me testar!

— Você não gosta de mim?

— Apenas não somos próximas...

— Eu pensei que você gostasse. Acabei ficando na Zona do Medo por sua causa...

— Não foi por seus experimentos?

— Não! Eu gostei de você, desde o Baile das Princesas. Foi fácil você me convencer a se unir a você na Horda. — Entrapta parecia muito triste. — Você me fez fazer coisas terríveis. No meu reino, eu ficava fazendo meus experimentos para ajudar as pessoas, mesmo com alguns perdendo o controle ou explodindo, mas nunca quis machucar ninguém. Você acabou me forçando a machucar as pessoas, principalmente os meus amigos. Eu pensei que não teria problema, já que você ficava feliz com isso, mas agora sei que eu sou apenas uma ferramenta para você.

— Eu sei que não deveria a ter te tratado assim. — A garoa que caia, logo se tornou uma chuva, que parecia se intensificar a cada metro que a Felina conseguia subir, o que dificultava a escalada pelo rochedo ficar molhado e escorregadio. — Saiba que eu não vou mais fazer isso...

— Agora já é tarde.

A Entrapta sumiu aos prantos, fazendo a Felina se sentir uma pessoa muito cruel pelo jeito que tratou a todos. Ela se sentiu mal até pelo jeito que tratou a Scorpia.

— Por isso não posso desistir...

— Por mim? — perguntou a Adora, que apareceu flutuando ao lado da Felina, que se esforçou para não tentar abraçá-la, pois ela sabia que aquela Adora não era real.

A chuva tinha se tornado uma forte tempestade, mas a Felina estava decidida a não desistir, por isso continuava sua lenta escalada com apenas um braço.

— Eu sabia que você seria usada no teste.

— Só quero saber o que você acha que está fazendo subindo esse rochedo?

— Estou escalando para poder te ver novamente.

— Só por isso?

— Não preciso de mais motivos para tentar fazer o impossível... Eu te amo e vou fazer qualquer coisa para ficar ao seu lado...

— Qualquer coisa?

— Sim.

— Já pensou em todo mundo que você feriu com seu egoísmo?

— Tive muito tempo para pensar nisso nos últimos dias.

— Você não vai conseguir...

— Vou sim!

— Olhe para baixo.

No momento que a Felina olhou, ela ficou surpresa e desapontada, pois ela estava bem próxima das nuvens que ficavam na parte baixa daquele lugar. Ela se virou, ficando com as costas encostada no rochedo.

— Eu não estava aqui... — Felina logo deduziu e continuou: — Magia novamente. Como eu saio deste lugar?!

— É fácil...

— Me ajuda...

— Não posso, mas posso fazê-la pensar um pouco sobre as coisas terríveis que você fez.

— Eu só quero poder vê-la e dizer o quanto eu te amo. — Os olhos da Felina já estavam cheios de lágrimas. — Não posso viver sem você.

— Continua sem saber o motivo de estar escalando. Sinto pena de você...

— Já chega de testes! Apenas me deixe ver a Adora, mas a de verdade!

— Imagine que; ao conseguir escalar e sair daqui você encontre a Adora, porém, ela seguiu em frente e está amando outra pessoa. O que você vai fazer, já que o seu único motivo de voltar é ela?

A Felina não respondeu, pois ela notou que não era uma pergunta para irritá-la e atrapalhar sua escalada. Ela fechou os olhos e pensou muito sobre tudo o que tinha acontecido.

— Eu tenho sua resposta: Desculpa por ferir você, Cintilante. Eu só fiz isso por inveja e egoísmo. Espero poder tentar reparar tudo o que eu fiz de mal a você e aos outros amigos da Adora. Sombria, você tem razão sobre eu ficar chorando pela criação que eu tive. Você já não faz parte da minha vida, agora eu que tenho que escolher se serei como você ou uma pessoa melhor. Entrapta, me desculpe por usá-la e brincar com os seus sentimentos, prometo te tirar da Zona do Medo e tentarei ser sua amiga.

Ao falar o nome da Cintilante, da Sombria e da Entrapta, elas apareceram flutuando na frente da Felina.

— Agora entendo o que a Panacea queria dizer sobre o motivo de eu voltar — continuou a Felina, sorrindo, mesmo com a dor que sentia e a chuva forte que caia. — Não posso voltar apenas pela Adora, tenho que voltar para me responsabilizar e ser punida por todo o mal que eu fiz. Não vou escolher mais o caminho fácil! Nunca mais!

— Muito bem — falaram todos ao mesmo tempo.

Felina se virou para escalar e ficou surpresa ao notar que estava no topo do rochedo, bem próxima das nuvens. Ao passar por elas, a mesma sensação de entrar em um lago foi sentida. Felina saiu ofegante das nuvens e ficou surpresa ao ver que estava bem perto do topo. Ela terminou a escalada e olhou para o precipício. A Felina estava sorrindo, seus ferimentos da escalada tinham sumido.

— Até outro dia, Panacea.

Ao caminhar um pouco sobre o local que houve a terrível batalha contra o Reino da Mágica, Felina notou que muitas árvores ainda estavam caídas por todos os lugares e alguns blindados da Horda começavam a serem cobertos pela floresta, mas o que chamou a atenção foi ver uma imensa estatua, que era igual à que a Adora tinha visto em Lua Clara. Felina reparou bem na estátua e foi ler a mensagem na base. Ela ficou emocionada e seus olhos se encheram de lágrimas.

— Não posso esperar para te ver novamente, minha amada Adora.

Felina saiu correndo para dentro da floresta.