Separação (dezembro de 2019)

Moravam à sombra de uma castanheira grande, tão grande, que a casa parecia feita para bonecas. Ou talvez seja exagerada a comparação, mas fato é que a árvore era muito grande e reinava soberana se comparada à casa ou mesmo ao belo jardim. A castanheira, plantada pelo avô da proprietária Ana havia oitenta anos, era um motivo de orgulho.

Ana cultivava um bonito jardim de frente à casa. Mantinha vistosas buganvílias em diversas cores como branca, roxa, rosa claro, rosa, vermelha, amarela, laranja e diversas outras, simples ou com duas cores. Também criava hortênsias cor de rosa e azuis, rosas brancas, margaridas, sardinheiras, amores-perfeitos, cravos, dedaleiras e chorões.

Quando crianças, os filhos Tadeu e Manuela brincavam de se esconder atrás dos vasos de plantas rentes ao muro da casa. Hoje, alcançada a puberdade, se contentam em sentar-se no jardim no fim do dia para observar dali o sol se pôr. O pai, Vinícius, costumava acompanha-los estirado com as costas sobre o gramado de grama felpuda.

Mas o casal vai separar-se. Ana tomou a iniciativa de buscar um advogado para aconselha-la em como proceder. Fazia alguns anos que pensava em separação, mas foram necessários dez dos vinte e oito anos de casamento para tomar coragem e visitar o advogado. Depois, teria que ter o ímpeto para comunicar ao marido e aos dois filhos.

Foi fundamental a formatura dos dois filhos para que pensasse seriamente em pôr um fim no casamento. Enquanto os dois filhotes ainda estudavam, e dependiam de Ana, ela temia prejudica-los. Agora não mais: reuniu-se finalmente com Tadeu e Manuela para conversar, e comunicou-lhes da separação.

Tadeu sentiu a notícia como um desagradável choque, pois seus pais eram para ele um exemplo de estabilidade. Enquanto vários de seus amigos atravessaram a separação da família, seus pais continuavam sempre juntos. E além do mais, nunca observara qualquer problema entre os dois. Para ele, sua mãe era feliz no casamento.

Manuela sentiu como se algo se encaixasse finalmente dentro dela. Havia tempo que o casal transparecia uma certa frieza. Pai e mãe não se abraçavam como antes era de costume nos anos de sua infância. Ela, entretanto, que não ousava formar certezas apressadas de suas percepções, também se surpreendeu com a notícia.

No início da conversa não se pronunciavam. Recebiam tudo em silêncio e sem questionamento. Mas Tadeu precisava saber o porquê da separação e por isso indagou por uma explicação, uma vez que nunca percebera algo estranho na vida da família. Manuela também lançou o seu porquê.

Ana emudeceu por um minuto, mas suspirando fundo logo voltou sua palavra aos filhos. A verdade era uma apenas, não amava mais Vinícius. Ela havia sido muito feliz nos primeiros anos de casamento, quando os filhos nasceram, mas agora não restava mais aquela alegria que sentia quando o marido a tomava pela mão.

Não sabia dizer como o amor se foi nem mesmo a razão do acontecido. Acrescentou que o marido tinha muitas qualidades e que era um bom pai. Também era atencioso com ela e acreditava que jamais a traíra. Mas o amor se acabou. Não corava mais quando ele lhe beijava, não sentia mais cócegas quando ele lhe dava com o pé em seu pé na cama.

Ana lembrou-os que não conseguiriam compreender melhor que ela o fato de o amor ter se acabado. Ela também não chegava a uma razão lógica por que pedir a separação. Assegurava que fora muito feliz naquela casa – que fora um dia de seus avós e depois de seus pais – mas agora essa alegria desaparecera por completo.

Curiosamente, Ana escolhera falar da separação primeiro com os filhos, deixando por último Vinícius. Quis saber dos filhos se eles acreditavam que o pai deles compreenderia e que não a tomaria por frívola, dado o pragmatismo dela para comunicar o fim da separação.

Porém, Tadeu e Manuela estavam aborrecidos demais para opinar sobre isso, dando a impressão até de que culpavam a mãe pela separação. Resignação era a palavra que os dois, com medo de ofender a mãe pensavam, mas não pronunciavam. A mãe era culpada por enterrar o casamento e a vida da família por conta de algum capricho seu.

As melhores famílias, acreditavam os dois, considerariam fazer parte do casamento resignar-se com as crises eventuais levando com determinação adiante o casamento “até que a morte os separe”. Sua mãe parecia não querer fazer aquela forcinha necessária para apaziguar os males em prol de algo muito maior.

Ana, antes e depois de falar-lhes sobre sua decisão pressentia a reação dos filhos. E ali estavam eles, com a cara amarrada e os olhos marejados. Era dela e só dela a culpa do fim do casamento. Ela era fraca demais para suportar a transformação no casamento de ruim para tolerável: Ana, a mãe cheia de caprichos.

Anoitecia lá fora e Vinícius não tardaria a chegar do trabalho. “Que fazer? ” Pensava Ana. Conversaria ainda hoje com Vinícius? O advogado aconselhou-a a tomar o tempo que desejasse para abrir-se com os filhos e principalmente com o marido. Quanto aos dois filhos, pelo menos, percebeu que demoraria algum tempo para vencê-los.

Ana tomou a dianteira para convidá-los a sentar-se debaixo da castanheira, no jardim. Tadeu e Manuela seguiram-na sem dizer nada, mantendo as caras amarradas. Sentaram-se em silêncio e lembraram-se de que o pai abriria o portão a qualquer momento. Ele logo retornaria do trabalho.

Manuela cuspiu as palavras: “Papai já sabe? ” Ao que respondeu Ana, “Ainda não, precisava contar primeiro para vocês, para que me dessem força. ” Acrescentou Manuela, “Pois não lhe prometo força, essa você já demonstrou que tem. ” E prosseguiu, “Eu e Tadeu prometemos buscar compreender você. ” Mas não se olharam.