Eu quero ser poeta!
 
Há bons anos, meu tio — irmão da minha avó que também levara-me à pia batismal — já era muito idoso, e não menos míope; se quisesse avistar bem ao longe, sendo-lhe curtas as vistas, não poderia alcançar todas as estremas que desejasse... Ainda assim, seus olhos estavam sempre inclinados àquela que trespassa as lindas do sentir — a poesia — Poesias pôde ler muitas, pois contraíra o gosto pelas rimas, em sua distante adolescência. Quando adolescente, uma ou outra poesia que concebera, o fez, enquadrada em sua métrica — a do meu tio — visto que, naqueles distantes dias, ele bem enxergava... A partir do início da sua terceira idade até o ocaso de seus dias, pela sua visão minguada, ao buscar algo o longe, usava apoiado na ponta do nariz, um par de óculos; mas quando, à curta distância queria espiar, sobre os aros de suas lentes, espichava os olhos e os fechava um tanto, não mais que o suficiente para deixá-los entreabertos; esse seu sestro, não deixava a pessoa que por ele estava sendo bem vista, bem-vista se sentir; entretanto, às poesias, uma doce e acurada acuidade visual meu tio sempre reservada...
Quando nasceu em mim, o desejo de ser poeta, entendi que deveria ser batizado mais uma vez; para tanto, de um novo padrinho não dependeria, pois água mais bem beatificada, para a minha recém-nascida vocação, não receberia senão pelas mãos do meu padrinho que à pia batismal levara-me.
De posse da inspiração que justificaria a bênção desejada, fui recebê-la logo, pelas mãos do meu padrinho, quando então tivemos o seguinte diálogo:
Meu tio! Estou aqui, para te pedir um favor; gostaria que fossem dois, mas, sendo um deles, talvez, impossível de ser aceito, de bom grado, receberei apenas um:
Eu quero ser poeta! Ou antes, eu sou um poeta! A ser assim, para que esse meu talento se perpetue para sempre, quero a tua bênção, pois, ela para mim, tem um valor inestimável.
— Poeta? Quando é que se lhe afigurou tal ideia? Indagou-me ele.
Sim! Poeta! Continuei falando; entendo a tua surpresa, pois quando à pia batismal, por tuas mãos fui levado, como haverias de imaginar o senhor... E é exatamente, por conta dessa tua estranheza, que eu não te pediria o segundo favor, qual seja o de batizar-me novamente.
Meu padrinho deu sinais de que estava estarrecido com as minhas palavras, contudo, não pude alcançar o motivo que o levava a sentir, e não dissimular tal desconforto; assim, tive dúvidas sobre o porquê de tão intempestiva mudança de postura; entretanto, uma única certeza eu tive: não seria eu a causa daquele transtorno súbito; a ser assim, continuei, ou antes, ele continuou:
— Insisto e repito: quando você percebeu aflorar-lhe vocação tão intempestiva, ou quando se deu a concepção desse talento natimorto?
Entre as palavras, talento e natimorto, se boa rima notei bem, mal alcancei, de imediato, o significado de uma delas — a segunda — mas o “aflorar-lhe vocação” pareceu-me suficiente para dar-me segurança ao dizer:
Vocação não se aflora; vocação é nata; contudo, só pode florescer quando a primavera invade o nosso ser.
Meu padrinho, ao me responder, ou antes, antes de fazer a sua réplica, ainda que tentasse, não conseguiu esconder um certo grau de desconforto. Desconfortável não me senti, pois nada percebi que pudesse dar-lhe motivo; entretanto, a tal réplica que se segue, não compreendi:
— Se me escutar, há de cair em si, pois esse seu “se” de “se aflora”, se não me traz nenhuma certeza, há de me levar à dúvida se você seria capaz de rimar pronominal com floral...
Dúvida? Não, não tenho nenhuma, respondi, só sei que há tempo, já estou andando de mãos dadas com a “Última Flor do Lácio”, e sei muito bem manusear um máuser.
— Máuser? Não seria um mouse? Respondeu-me ele.
Verifico depois; se persistir a dúvida, recorro à licença poética, que tudo perdoa.
— Talento para tal empreitada, você afirma possuir?
Tenho-o de sobra. Tão grande é este meu dom, que dele falará por mim, isento de quaisquer suspeitas, um dos meus poemas; quer vê-lo!
Meu padrinho, que mesmo antes de sair do berço, recebera os grilhões da sisudez, era refém de um feitio reservado; assim, após lê-lo em mãos — o tal poema — vendo-me por malvisto, o que não me causou estranheza, pois, dito já deixara eu, o seu sestro que antecedia o seu perverso e habitual modo de enxergar deixava as pessoas submissas; com essa arraigada postura, ele sugeriu-me, com veemência de sobra, que lesse um determinado e específico texto. A falta de sinais de entusiasmo, que estava presente no seu semblante, teria me constrangido, não fosse compensada, para maior incentivo meu, com aquela oportuna sugestão de leitura; e mais alento tive, quando em seguida, antes de me desejar boa sorte, mais um incentivo extra me ofereceu dizendo: 
        
A arte poética é um fogo ardente,
Que quando queima às pressas,
Logo, esfria o dom do impertinente.
 
Imediatamente, de sua casa ao sair, saí à cata do tal texto. Texto desconhecido meu, que com toda segurança, bem escolhido fora, entre todos de seu jaez, para enaltecer meus dotes poéticos, quando não para me dar orientações seguras sobre a arte de lidar com a métrica, uma vez que de inspiração nada me faltava. Ainda assim, para previamente, qualificá-lo, o tal texto recomendado, à altura do incentivo que das mãos do meu padrinho, recebera, a minha vocação poética com facilidade, ou com fácil crença, arrebanhou vários adjetivos, tais como: Nutritivo, alegrativo, agradativo, apreciativo. Paro por aqui, por saber que a alegria quando é muita, pode sufocar a inspiração, porém, não deixo de saber que poderia facilmente, novos “tivos”, a minha prodigiosa mente rimadora ter concebido para dar à palavra texto mais brilho. 
Tão logo pude alcançar o texto, o que nada demorou, o li, e o reli, e ainda, o li novamente. No outro dia, pela manhã, o li outras tantas vezes. À noite, a me acomodar na cama fora tarefa árdua; o sono foi áspero, entremeado de sonhos interruptos, de sobressaltos... Amanheci. Trégua não houve. Pra onde eu pendia, lá estava o tal texto me entestando...
Distante do meu tio, por deliberado afastamento, estou há meses. A ansiedade não me abandona, tenho receio de estar caminhando para o desespero; reler o texto há de aumentá-la, assim, em boa hora, o desprezei; mas, na esperança de encontrar alívio, recorro a você amigo leitor. Tenha a santa paciência! Leia-o também, interprete-o para mim, pois, com segurança, ainda que com insistência, não consigo fazê-lo de forma que me satisfaça. Não posso ser ingrato com aquele que me levara à pia batismal; mas, se meu padrinho, não se equivocou com aquela sua indicação, indicando-me a leitura daquele texto, ou, se enganado não fora, bênção a ele, jamais, hei de pedir... 
 

PS – Deixo abaixo o título do tal texto que meu tio recomendara-me à leitura. Esse texto é longo, mas, longo, ou até permanente, será o conforto que me darás, lendo-o e interpretando-o, para em seguida, com a tua opinião, caso queiras ma oferecer, terei minha angústia mitigada, ou até, de vez, aniquilada...















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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 10/02/2020
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