1134-QUEM TEM UM OFICIO NÃO PASSA FOME - Auto-biográfico

QUEM TEM UM OFICIO NÃO PASSA FOME

Então, em vez de um pão por dia como remuneração pelo buscar um saco de pães na Padaria Dramis e levá-lo até o empório do seu Júlio Símaro, passei a receber R$ 30,00 por mês. Era um trabalho definitivo, que eu exercia depois das aulas do grupo escolar (estava no 4º. ano) e após o almoço.

Devo acrescentar que já recebia R$ 10,00 por mês das irmãs do Colégio por ser coroinha nas missas das 7 horas na capela do Colégio Paula Frassinetti. Mas esta remuneração não se poderia computar como salário, pois não era um trabalho, era um voluntariado que eu fazia, junto com Arthur, meu irmão.

Com os Cr$ 30,00 do primeiro mês de trabalho, fui à casa João Ponte e adquiri uma caneta tinteiro que já namorava há tempo. Marca Esterbrook, com uma pequena alavanca lateral que funcionava como bomba para encher a caneta de tinta.

Eu que já usara a lousa (no primeiro ano), uma peça de ardósia sobre a qual se escrevia com lápis especial e depois, a caneta com pena de metal e tinteiro de vidro, que era um terror para sujar os dedos e manchar a roupa, a caneta tinteiro, que aparecera por aqueles anos, era o sonho de qualquer estudante.

Foi um sucesso tanto em casa (pois comprara sem consultar ninguém) como na classe do grupo escolar. Fiquei vaidoso e orgulhoso.

O melhor estaria por vir. Quando chegaram as férias de junho, seu Julio me chamou para trabalhar em tempo integral no empório, pagando R$ 60,00 por mês. Para trabalhar apenas nas férias. Claro que aceitei sem pensar duas vezes. Gostava de seu Julio, e ele me ensinou como atender a clientela, arrumar a mercadoria nas prateleiras e nos sacos de produtos a granel, a dosar as bebidas conforme o pedido do freguês e muitas outras coisas do oficio de caixeiro.

Então ficamos assim: nos meses de aula, eu ia apenas buscar os pães na padaria e nos meses de férias (julho, dezembro e janeiro) trabalhava o dia todo. Este acordo começou a funcionar em 1946, quando eu estava no 4º. ano do grupo escolar, e durante os quatro anos do curso ginasial, de 1946 a 1950.

No segundo semestre de 1950 fiz um teste “pró-forma” para uma vaga de contínuo mo Banco de Crédito Real. O resultado veio no dia 30 de janeiro de 1951.

Era cerca de 10 horas da manhã; estava eu trabalhando no empório, quando o telefone tocou e fui avisado de que tinha sido aprovado. Fiquei tão emocionado que não sabia bem o que fazer. Seu Julio foi quem me orientou:

— Vai lá no Banco agora mesmo, assim você já ganha o dia de serviço.

Sai disparado, passei em casa (meio quarteirão de distância), avisei mamãe e papai, troquei de roupa e lá fui para o meu segundo emprego da vida.

Graças à rapidez do comando de seu Julio ganhei dois dias de trabalho no banco e não perdi a remuneração do empório, pois seu Julio me pagou o mês de janeiro integralmente.

Durante o tempo que com ele trabalhei, nunca o considerei como patrão. Estimava-o como a um tio (ele era irmão de minha tia Jovina), e acho que ele também não me considerava como empregado.

Me dizia que eu não era seu empregado, que eu estava aprendendo o oficio, e arrematava com um de seus aforismo:

— Quem tem um ofício não passa fome.”

Graças à honestidade, ao rigor nos negócios, pontualidade absoluta de seu Júlio muito que tenho a agradecê-lo, e o faço colocando no panteão de meus Mestres Espirituais.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 25 DE OUTUBRO DE 2019

Conto # 1134 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/02/2020
Reeditado em 11/02/2020
Código do texto: T6863855
Classificação de conteúdo: seguro