O meu último inverno

Os relógios pareciam nunca se movimentar, a todo instante olhava para o meu pulso e nada daquele ponteiro marcar outra hora, estávamos presos, mas poderíamos ter ido embora. A noite era um frio desgraçado, sempre fui cético mas agora comecei a acreditar nessa parada de “calor humano” que tanto ouvi seus pais falarem. Estar perto da civilização parecia um sonho distante, fica no meio do nada a procura o tempo todo de sobrevivências, não desperdiçar nem um minuto, me parece fazer com que eu me sinta vivo novamente. Na neve branca a única cor que consigo ver de diferente de tudo é os seus olhos escuros, que volta em meia brilham, nem a maior aurora boreal se compara aquela beleza que estava no meu lado a todos esse tempo.

Seis meses sem ver o sol e seis meses sem poder fugir dele. Poderia estar agradecendo as forças divinas que tão pouco acreditava, mas me parecia egoísmo, agradecer por me tornar esse fardo que tu carrega de um lado para outro. Era comum as tempestades de neve, e em uma delas eu não tive tanta sorte, caminhando em busca de mais algum animal para o nosso jantar, tinha um tapete de gelo, achava que ele estava firme, mas bem, não estava... No primeiro passo que dei em direção a ele, minha perna afundou, e eu não conseguia sair, gritei por ajuda, mas só ela conseguiu me ajudar, mas já era tarde. Ela teve que cortar a minha perna, ironia do destino, quando criança meu sonho era ter uma perna de pau.

Eu entendo, estávamos tão bem, faltava quadro meses para nossa aventura acabar, mas ela resolveu ir. No meio da tempestade vi ela juntando as coisas e se sumindo em meio aquelas gostas de neve, minha esperança é que ela olhasse para trás e optasse por não me abandonar, ingênuo da minha parte. A vida me ensinou que chega uma parte dela que é realmente necessário colocar as suas vontades na frente, deve ter sido isso que aconteceu, ela talvez tenha visto que o futuro dela é muito mais doque carregar um aleijado com tanto frio, talvez seja essas as regras da sobrevivência.

Não me deixou para morrer, mas acabou me matando as poucos, quanto mais o frio aumentava, mas os ursos ficavam perto, agora eles podiam caminha por aquele piso de gelo sem tanta dificuldade. Sortudo como sempre, os ursos pareciam me perseguir, e sempre famintos. Quando a comida já não era mais suficiente, com a perna de um pirata, eu me obrigava a ir caçar, poderia perder a minha voz gritando e ninguém iria me escutar. Os barulhos desses malditos animais estavam cada dia mais perto e meu medo era pensar que realmente ela deixou para morrer.

As nuvens estavam se movimentando muito rápido, e ficando mais escuro que o normal, logo, logo a tempestade esta por vir. Os malditos chegaram antes que eu pudesse arrumar o acampamento, não esperava a chegada deles tão rápido assim, uma parte do caminho ainda estava difícil de acessar, não sei o que aconteceu. Os gritos deles estavam nos meus ouvidos já, meu coração pulsando tão rápido fazia meu sangue ser atrativo, um deles conseguiu entrar pela entrada dos fundos, e numa bocada minha única perna boa se ia, e logo em seguida eu já nem existia, nem deu tempo para me defender.

O resgate chegou tarde de mais, se ela tivesse ido uma semana mais cedo, quando tinha me dito que estava cansada da aventura, talvez eu estivesse contando essa historia para os nosso filhos. Minha ida fez um buraco no seu peito, um sentimento de culpa jamais visto antes, hoje ela se auto sabota tentando preencher esse vazio que ficou. Seu chalé não quadros, o que ela pendura na parede é a cabeças dos ursos que ela mata por diversão, e em toda tempestade de neve, ela sai para rua, na espera de um dia não voltar.