1143-MOEDAS NO VENTILADOR - História real

As salas de aula do curso elementar padecem de um vício elementar: a classificação dos alunos por idade. Outros critérios deveriam ser adotados: o QI, o nível de conhecimento do aluno, e até mesmo os temperamentos, separando os mais irrequietos, aqueles que não dão sossego aos colegas e muito menos ao professor.

A classe de terceiro ano da professora Dona Irene tinha de tudo: alunos aplicados ao lado de preguiçosos, quietos ao lado de endiabrados, inteligentes ao lado de retardados mentais. Mas havia mais: o Josué, de apelido Zué, que era o impossível, o que fazia artes, confusões, “zoava” (1) com todos os colegas e não tinha o mínimo de respeito à mestra.

Dona Irene tinha paciência. Mas toda a paciência tem limites.

Certa manhã Josué apareceu na classe com um punhado de moedas de cinco centavos, as de mais baixo valor então em circulação. E começou atirando moedas ao lado das carteiras, para incitar os colegas a se levantarem em plena aula para pegá-las.

Dona Irene notou logo nas primeiras tacadas a perturbação causada pelas moedinhas voando pela sala.

— Josué, pare com isto! Preste atenção na aula!

Mas que obedecer a mestra, que nada! Na primeira vez que Dona Irene virou-se para escrever qualquer coisa no quadro, Josué lançou uma moeda no ventilador.

A moeda bateu nas pás do ventilador em funcionamento, ricocheteou e atingiu o Mario, no outro extremo da sala.

Ao ouvir o barulho da moedinha batendo no ventilador, dona Irene virou-se, a tempo de ver o gesto de Mário, levando a mão ao ombro e emitindo um “Ai!” agudo.

— JOSUÉ VOCÊ É LOUCO? – Exclamou a mestra, ao mesmo tempo em que corria na direção de Mario, que soluçava de dor.

Apesar de ser um malazartes (2), Josué ficou pálido ao ver que tinha se saído mal naquela brincadeira. Ficou sentado, observando a cena.

Mario levantou-se com a mão direita sobre o ombro esquerdo, onde a moedinha o tinha atingido. Dona Irene chegou perto do menino, desabotoou a camisa e viu o sangue escorrendo.

Ela não perdeu o controle da situação.

— Vá logo prá diretoria, seu maluco! — disse a Josué.

E tomando Mario pela mão:

— Vamos até a sala de ginástica, á temos jeito de fazer um curativo antes de chamar a ambulância.

Dirigindo-se ao Carlos, um dos maiores da classe, de boa índole e muito esperto para sua idade:

— Carlos, tome conta da classe. Mantenha todo mundo quieto, ninguém sai da sua carteira.

O ferimento foi leve, mas ainda assim a ambulância foi chamada, pois ninguém gostaria de ser acusado pelos pais de negligência e falta de assistência. Um funcionário administrativo acompanhou o garoto ao pronto socorro, como responsável.

Telefonema foi feito à mãe de Mario, avisando-a do acontecido, informando-a das providências feitas e tranquilizando-a quando ao estado de Mário.

O diretor, em cuja sala estava Josué, esteve com professora, Dona Irene, durante todo o tempo das providências com Mario.

— Venha à minha sala, vamos ver o Josué. — ele disse.

Na sala, o garoto já estava tranquilo.

— Já chamamos seus pais, Josué. Agora, me conte o que aconteceu?

— Ela me chamou de louco e de maluco, seu diretor.

— Quem lhe deu as moedinhas pra você jogar nos seus colegas e no ventilador.

O garoto ficou mudo.

— Por que você fez isso?

— Ela falou que sou maluco e louco.

O diretor insistiu com mais algumas perguntas, às quais o garoto não respondia, o repetia a mesma coisa:

— Ela falou que sou louco, que sou maluco.

Dona Irene ficou calada, pois já havia narrado ao diretor a ocorrência e não precisava entrar em discussão com Josué.

Meia hora depois chegaram os pais de Josué, justamente quando estava na diretoria a mãe de Mário, que já voltara do posto de emergência de saúde, com o curativo feito e recomendação para tomar uma vacina antitetânica.

A senhora havia agradecido pelas providências tomadas pela escola, mas disse, à saída, ao diretor:

— O senhor compreende que vou a policia fazer um BO, e vou processar...

Estas últimas palavras foram ouvidas pelos pais de Josué, quando se cruzaram à entrada da diretoria.

— Por favor, queiram se sentar. — convidou o diretor a ambos.

Eles se sentaram defronte a escrivaninha do diretor. Josué estava de pé, do lado esquerdo do diretor.

— Josué fez uma confusão na classe e acabou machucando um colega. Aquele que vocês viram com o ombro enfaixado, saindo daqui quando vocês entraram.

E passou a narrar o que acontecera. Ao final, o pai pediu licença ao diretor e perguntou ao filho:

— Por que você fez isso, filho?

— A professora me chamou de louco e maluco.

— É verdade? — perguntou a mãe do garoto.

— Sim, disse o diretor. Quando coisas deste tipo acontecem, fica difícil controlar as palavras.

— Quando íamos entrando, ela disse que ia processar a gente. — A mãe prosseguiu. — Pois agora nós é que vamos processar a professora e o colégio.

— Como queiram. – Professor era assertivo e enérgico. — Mas fiquem sabendo que caso nos processem, Josué será expulso desta escola.

— Veremos! — A mãe exclamou, em tom de desafio.

A seguir, levantou-se, pegou o filho pela mão e saiu, sem sequer se despedir, no que foi acompanhada pelo pai.

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A polícia abriu um inquérito, para dar atendimento aos Boletins de Ocorrências de ambas as partes. Testemunhas foram ouvidas. Constituiu-se o processo.

Na primeira audiência informal, para instrução, todos estavam presentes: dona Irene, o diretor Camargo, Josué, seu pai, Alfonso e sua mãe, Quitéria, mais Mario e dona Terezinha, sua mãe.

As partes foram ouvidas. Dona Terezinha processava, pelo ferimento a Mário, os pais de Josué. Estes processavam dona Irene por ter chamado o filho de louco e maluco na sala de aula, uma “agressão verbal” diante de todos os colegas.

Quando dona Quitéria estava sendo ouvida, dona Irene pediu licença ao juiz de instrução, para conversar com a mãe de Josué.

— Sim, mas seja breve, anuiu o juiz.

Dona Irene chegou perto de dona Quitéria, e colocou um punhado de moedas de cinco centavos à sua frente.

— Todos nós estamos vendo o ventilador no teto funcionado, não é mesmo? Agora, dona Irene, quero que a senhor jogue uma moeda, apenas uma, no ventilador.

Dona Quitéria, roxa de raiva e constrangimento, exclamou em alto e bom tom:

— O que é isso? Você está louca?

Dona Irene sorriu e disse ao juiz:

— Aí está, seu juiz, a mesma reação que tive na escola, ao ver o que o filho dela fez na sala de aula.

O juiz declarou inconsistente a queixa de dona Quitéria e do Sr. Alfonso e mandou arquivar o processo.

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(1)-entre os alunos: gozar, aplicar brincadeiras de mau gosto, aborrecer.

(2)-de Pedro Malazartes, que vivia de fazer artes e bagunça.

ANTONIO ROQUE GOOBBO

Belo Horizonte, 8 de fevereiro de 2020

Conto # 1143 da Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/02/2020
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