SINCERICIDAS

- Bom dia! Como coordenador desta comunidade, recebo, regularmente, jovens de dez anos, para conscientizá-los sobre a realidade maior. Viveram, até agora, sem sair de nossos limites, sabendo pouco do exterior. Preparam-se para a fase adulta e precisam saber o que os espera.

Todos aplaudem, e, silenciosamente, adultos e crianças se retiram, ficando os jovens com a idade anunciada, em número de vinte e dois, bem atentos.

- Comecemos, pois! Há vários anos, em um lugar que já não mais existe, nasceu um casal de gêmeos, cujos nomes eram Vera e Brocardo. Não eram gente como nós, embora parecessem, pois possuíam dons incríveis, além de perfeição física, beleza e pureza íntima.

- Isso é uma fábula, senhor Termes? Tem alguma lição moral embutida?

- Não! É fato! É a história real deles, e diz respeito a nós. Nasceram em zona conflagrada, caótica, e seus pais morreram num bombardeio. Estavam junto, mas sobreviveram, porque, soube-se depois, eram invulneráveis. Nenhum dano ou perda jamais sofreram, e nada nunca lhes fez qualquer mal. Tornaram-se autossuficientes aos sete anos, falavam todos os idiomas, conheciam todas as ciências, e nunca se separaram.

- Isso parece mentira ou fantasia! O senhor tem certeza que esses dois existiram?

- Absoluta! O mundo inteiro soube deles, e ninguém conseguia acreditar, mesmo vendo o que acontecia. Isso foi só o começo. Viajaram por vários locais do planeta, e mesmo que muitos quisessem prendê-los, impedi-los de se movimentar ou sequestra-los, nada nem ninguém podia contra o poder que emanavam. Eles, no entanto, nunca agrediram ou feriram alguém.

- Se tinham tanto poder assim, por que não o usaram para ajudar as pessoas e o mundo?

- Fizeram isso! Quando completaram dez anos, começaram a seguir para lugares complicados, encontrar pessoas problemáticas, e, todos de quem se aproximavam, não podiam mais mentir, dissimular ou agir mal. Eram reações variadas, desde estupor, medo, até muita raiva, e alguns ficavam em estado de choque, mas ninguém conseguia voltar a agir ou falar negativamente, agressivamente, falsamente. Foram chamados de “sincericidas” e odiados pelos poderosos.

- Isso é maravilhoso! Eles ajeitaram o que estava errado, então?

- Não! Quando cresceu o número de pessoas, entidades, associações, instituições e governos visitados por eles, foi tudo parando, porque não se sabia agir sem mentira, já que o que existira e funcionara até então se assentava em segredos, interesses, favores, corporativismo, poder, força, persuasão ou doutrina, com alto teor de disfarce. Governantes, empresários, magnatas e todos que exerciam algum poder, impossibilitados de eliminá-los ou pará-los, passaram a evita-los, fugindo de sua presença. Porém, os irmãos exerciam seu poder à distância, apenas com a imagem mental da pessoa, empresa, região, situação ou condição, incapacitando qualquer má atitude. O desespero tomou conta de muitos, pois a civilização havia sido erguida sobre a mentira, o mal, e um recomeço seria inevitável. Como? Respostas não apareciam, e tudo ruía.

- Então o que eles fizeram não foi um bem, certo?

- Errado! Onde impera o mal, o bem é elemento destruidor. E, praticamente, tudo que tínhamos foi destruído. Sem saber como agir, os mais simples buscaram os irmãos, que os orientaram a se reunir em pequenas comunidades independentes, onde pudessem viver em harmonia com a natureza, do modo mais singelo possível, cultivando bons valores, sem nenhuma imposição ou agressão, mas respeito e correção. Que os jovens, só quando completassem dez anos, fossem instruídos quanto aos acontecimentos e, logo a seguir, passassem a sair dos limites de sua comunidade, em intervalos cada vez mais longos, e recebessem seus eflúvios mentais, para se prepararem, pouco a pouco, para empreender a reconstrução civilizatória, voltada para o bem.

- O senhor está querendo dizer que eles ainda estão vivos? Que idade têm?

- Ninguém sabe ao certo, mas ao longo de décadas temos visto levas de jovens como vocês serem influenciados pela luz que deles emana, e se transformarem em empreendedores de valor, reedificando a sociedade mundial com paz, justiça, serenidade e equivalência plena.

- Onde vivem? Como podemos encontra-los?

- Não sabemos! Mas assim que vocês começarem a sair para o mundo exterior sentirão a presença deles em seus íntimos, incitando-os a agir corretamente e unidos no bem comum.

- Seremos tutelados por eles?

- Não! Apenas os guiarão para a sinceridade, e o resto depende de cada um. Lembrem-se que em cada pequena atitude estarão erguendo os pilares de uma nova e virtuosa civilização.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 10/04/2020
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