Memórias

Os anos 70 eram ainda meninos, caminhavam com as pernas bambas, feito as minhas.

Quinze para as sete, acusavam os ponteiros.

– Mãe, vamos!

– Vamos.

Lá estávamos, à espera diária... A saudade me consumia e as reflexões eram ainda rudimentares naquele meu grão de cérebro. Restava apenas uma questão bem definida: “Para que trabalhar?”

Então ele vinha, bolsa nos ombros, o andar pesado da dura jornada e o sorriso inescapável. Eu aguardava ansioso pelo sinal. Eis que os braços se abrem. Disparo como cão ao dono.

– Opa!... Dá um beijo?

– Toma. Cadê?

– Não sei; procura.

“Bolsos, bolsos, para que tantos bolsos?... Ah!” Lá estava: teta-de-nega; melhor ainda: duas. Seu João não tinha filhos, sorte a minha, ganhava em dobro. Os adultos não gostavam de sobremesa, só as crianças, era o que me diziam. Eu achava ótimo e torcia para não crescer logo. Imagine não gostar de sobremesa!

Naquela época, era assim: várias bocas, muita vontade de comer e, quase sempre, nem tanto de comer. A mistura então... E a mãe regia:

– Este é pra você, este é seu, toma, aqui o seu...

– E eu, e eu?

– Toma, nenê.

O meu era sempre menorzinho. Sem problema, eu também era o menor, mas só eu comeria as tetas-de-nega!

Hoje é diferente; a comida é mais farta – até sobra – e não tem aquelas bocas todas, que falavam e falavam, durante e após o jantar.

Hoje, come-se melhor e há mais silêncio. Mas aquele monte de bocas e aquele barulho todo dão uma saudade...

Éder de Araújo
Enviado por Éder de Araújo em 12/10/2007
Reeditado em 08/11/2019
Código do texto: T691753
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