Vêm pra mim

Apesar da chuva que caia fazendo ruído no telhado, a noite era quente. O ventilador, quase tão barulhento quanto a chuva, ia para lá e para cá na escuridão, o vento forte me congelando ao toque, mas me deixando soada ao passar. Enxaqueca é um velho mal que acompanha desde a mocidade e faz noites como essa serem cenário de muita angustia e delírios quase cinematográficos. Ele chega, para ao lado da cama e, apesar da escuridão, sinto me observar. Com orgulho, viro para o outro lado afim de demonstrar minha insatisfação por sua ausência todos esses meses. Ele, que bem conhece minhas manhas sorri enquanto sobe na cama e me abraça por trás, como se já esperasse minha reação ao seu retorno e quase estivesse aliviado por sua amada não ter mudado em sua ausência. Sua mão grande vai até minha testa, fazendo pressão para aliviar a dor. Os pelos de seu peito fazem cosquinhas em minhas costas febris e nesse momento, fico feliz por ele não ter levado a sério minha birra. Ao notar minhas barreiras cedendo, seus braços longos me pegam no colo, me envolvendo num casulo seguro, tão próximo ao seu corpo que cada partícula de ar que chega aos pulmões tem seu cheiro. O choro vem na garganta...

- Você tinha que estar aqui antes! - reclamo - Por que não está aqui?!

- Meu amor... Não estrague nosso momento...

O sinto desaparecendo e a dor na cabeça voltando a me assombrar. Respiro fundo, por hoje posso ir Pra Além de toda essa mágoa... Seus dedos voltam a acariciar meus cabelos molhados de suor e meu rosto quente. Seu toque calmante me faz adormecer ao poucos, sozinha no quarto escuro, com o ventilador barulhento indo para lá e para cá e com a chuva fazendo ruídos no telhado.

Gota de noite
Enviado por Gota de noite em 19/04/2020
Reeditado em 16/10/2022
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