Fotografia

Oi, senhor fotógrafo. Sim... pode entrar. Aceita um chá, um café? Água? Pois não. Traga água para o rapaz, Estela. Que bom que o senhor chegou, estava ansiosa, afinal o senhor é tão requisitado...

Sim. Sim. Ela está lá encima. Quer que eu a traga ou acha melhor lá no quarto dela? No quarto dela? Pois bem, então vamos. É muita coisa né? Imagino o trabalho que dá carregar tudo isso... Ah, a casa! Como o senhor é gentil. Todos elogiaram seu trabalho, viu? Principalmente a Ana. Sim. Tem passado bem. Ela é forte, não quebra tão fácil. E tem os filhos que a sustentam nesse mundo. Pobre Ricardo... olhando assim nem parece que passaram três meses já. Para ela devem ter sido uma eternidade.

Vamos subindo! O senhor não repare na bagunça! Mas com os preparativos. As comidas... os doces. Tá tudo uma coisa daquelas! As pessoas, graças a Deus são tão gentis... que bom que ainda há afeto no mundo. Precisamos tanto, não é?

Bem, aqui estamos. Esta é Glória. Minha caçula. Meu orgulho! Se fosse outro dia ela já estaria cheia de perguntas para o senhor. O que é isso? O que é aquilo? Posso ver? Posso pegar? Ai ai, crianças...

Mas hoje ela está assim, como pode ver. Assim desse jeito. É, eu sei que o senhor entende já que é sua profissão. E que bom que está aqui! Só o senhor mesmo para colocá-la de pé para que eu possa vê-la de novo fora dessa cama.

Sabe, é muito estranho ver a filha da gente assim. Ainda mais a Glorinha, que sempre foi tão alegre e de ontem pra hoje... até o doutor Macena ficou condoído com a situação, acredita? Pôs a mão no meu ombro e disse com o rosto triste: "tudo está nas mãos de Deus, dona Francisca. Tudo está nas mãos de Deus!".

Minha filha... tão linda... e desse jeito! E ela sabia que era linda. Foi por isso que chamei o senhor. Comprei um vestido novo; uma sapatilha vermelha, mesmo achando muito chamativo para uma menina e uma tiara bordada... tá tão linda, né meu amor? Nem parece que...

Ai, meu Deus! Desculpa! Mil perdões! Eu com falatório e o tempo passando! Sim. Sim. Podemos começar.

Vem, filha!

Vem, meu amor!

Aqui na cadeira? Tá bom assim? Tudo bem.

Vai ficar linda minha princesa. Mamãe vai guardar essa foto com muito carinho. Vai sim.

Nem sorri. Tá vendo? Em um dia normal ela sorriria, faria caras e bocas... logo hoje que é o aniversário dela...

Ela sonhou tanto com este dia. Ainda ontem ela falou que se ela estivesse melhor queria um bolo de chocolate feito por Cândida. Ela ama aquela mulher! Né, vida? Sorri, meu anjo! O que é que eu faço pra ela sorrir de volta, senhor?

Sério? Posso sair na foto também? Então tá certo. Mamãe vai sair na foto com você, filha! Viu? Você vai tirar foto com a mamãe! Não fique tão rígida. É só mais um pouco.

Assim? Quer que eu coloque as mãos sobre as dela? É. A cor... temos que nos apressar. Tá com frio, né? Só falta mais um pouquinho. Segurar a cabeça dela? Assim? Mas... não machuca? Certeza?

Minha filha... tão linda.

Como gostaria que o brilho do flash fosse o dos seus olhos... eu pensei que talvez assim ela recobrasse o ânimo! Oh, minha linda! Sorri! Vai! Me enche de perguntas! Olha o vestido! Aquele que você gostou. Minha filha... ó minha filha...

Acabou? Ah sim... obrigada. Perdoe minha descompostura. Chorar assim... mas o senhor viu como ela está linda? Daqui a pouco as flores chegam e o reverendo Augusto também. Uma flor em meio às flores. Com tanta flor, colheram a mais bonita.

O velório será às 15hs e o enterro às 17hs.

Se o senhor quiser ficar e participar da cerimônia, ficaremos honrados. Gentileza sua. Se me permite importuná-lo mais uma vez, pode me ajudar a colocá-la no caixão?

Minha filha... tão linda... tão linda... tão linda...

NOTA: Durante a era vitoriana era costume que os familiares fotografassem seus entes falecidos, como uma última lembrança daqueles que partiram. Eram as chamadas fotografias post mortem. Muitos desses retratos eram montados para parecerem que a pessoa ainda estava viva, com pedestais e maquiagens e não poucas vezes ao lado da família.