A CULPA É DO DESTINO

Dulce morava em uma casa aconchegante junto com os pais e mais dois irmãos. A casa ficava concentrada numa região de morros e encostas e naquele local ainda havia muita área verde. Dulce era uma menina adorável, meiga e muito amável. Tinha quatorze aninhos. Já era quase uma mocinha. Nos últimos dias vinha se dedicando na preparação de sua festa de aniversário de quinze anos. Seria a realização de seu maior sonho. Sua casa mais parecia uma loja especializada em festas. Estava tomada de enfeites e de adornos temáticos. Faltavam poucos dias para o seu aniversário, mas tudo já estava bem adiantado. Dulce estava convicta de que no dia da festa tudo estaria pronto. Todos os detalhes eram cuidados com o máximo de carinho. A sua dedicação era recompensada em cada lembrancinha que ficava pronta. Tudo estava acontecendo exatamente como planejara. O dia mais especial de sua vida surgia chuvoso, como já era esperado e de acordo com as previsões climáticas, mas ninguém poderia imaginar o que estava prestes a acontecer. Dulce não temia

muito os tempos chuvosos e admirava muito o brilho intenso dos relâmpagos. Costumava dizer que os clarões que apareciam no céu era Deus fotografando a sua criação. Nem o barulho, nem os clarões poderiam ofuscar o sentimento de prazer e de orgulho que tomava o coração de Dulce. Outra coisa, porém, aparentemente insignificante, lhe tirara o sossego naquela noite. Uma pequena lagartixa que desfilava pelas paredes do seu quarto e lhe dava a sensação de que a qualquer momento poderia cair sobre ela. Dulce gozava de verdadeira aversão ao pegajoso bichinho. Com esse tipo de situação, definitivamente, ela não conseguia lidar muito bem. Aquela situação incômoda roubava-lhe a tranquilidade. Por conta daquela visita inesperada a adorável jovem decidiu ir dormir no quarto com os irmãos. Apanhou um colchonete e depôs aos pés da beliche deles. Na madrugada daquele dia, a cidade de Nova Friburgo não dormiu. Ficou acordada diante de um dos piores pesadelos da sua história. Uma chuva torrencial castigou a cidade com uma violência sem precedentes. Era tanta chuva que se perdeu a noção do tempo e do espaço. Já não se sabia se era dia ou noite. As ruas estavam tomadas por muita lama e muita água. Carros boiavam como se fossem garrafas vazias. Na casa de Dulce, todos dormiam como anjos, não tinham a menor noção do que se passava do lado de fora. Por volta das duas da manhã, o volume de água sob o solo aumentou muito e proporcionou o desprendimento de uma imensa placa que se deslocou e se precipitou sobre a casa de Dulce soterrando parte dela. A terra arrastou o colchonete de Dulce e a lançou para debaixo da beliche enquanto outra camada desabou sobre ela, sufocando-a. A penumbra da noite, o vento forte, os estrondos, o frio, enfim, tudo fazia parte de um enredo macabro e dava a dimensão exata dos momentos de terror em que aquela família estava inserida. A ajuda veio rápido. O trabalho voluntário de vizinhos e amigos possibilitou o resgate dos irmãos de Dulce. Ela, porém, não teve a mesma sorte. O local onde estava tirou-lhe toda a chance de sobrevivência. Aquela trágica noite impediu que Dulce pudesse comemorar o seu aniversário de quinze anos. Por que essa coisa acontecem? Ela, definitivamente, não precisava estar naquele local. Não tinha o costume de dormir lá. Mas o destino quis assim. Duro destino! Se aquela lagartixa não tivesse aparecido naquela fatídica noite, por certo Dulce ainda estaria viva. Seu quarto permaneceu ali intacto. Nenhum grão de areia o atingiu. Os artigos para a decoração, as lembrancinhas, os docinhos... tudo estava ali, pronto, do jeito que Dulce planejara. Anunciando a precocidade da partida de um anjo, de alguém que acabou indo embora cedo demais. Na parede, uma pequena lagartixa, paralisada, parecia carregar nas costas o peso da culpa de um destino cruel e injusto.

Vander Cruz
Enviado por Vander Cruz em 04/05/2020
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