O Tesouro de Pirata e a Cozinheira

JANJÃO

Desceu a ladeira toda faceira esbanjando charme. O povo do morro dividia opiniões sobre a nega, entre convencida por trabalhar em casa de gente importante e amiga do pessoal ralado e pobre da favela.

Há dois anos e meio, Ritinha trabalhava na mansão de Dona Consuelo de Castro de Moura Cavalcante, famosa socialyte de Copacabana pelo simples motivo de manter há décadas um caso amoroso com o ex-governador de São Paulo, Julinho de Mello conhecido por inaugurar na política brasileira, o estilo do "rouba mas faz".

Durante anos circulou na boca pequena que o estilo de Julinho tinha-lhe rendido uma fabulosa fortuna. Sabe-se lá por que, o ex-governador tinha a mania de guardar o seu tesouro em "caixinhas" depositadas em cofres espalhados por vários lugares: casas de parentes, amigos etc.

Lendas para alguns, a história das caixinhas foi até marchinha de carnaval nos anos 50. Enquanto Ritinha se dirigia para o trabalho, do outro lado da cidade um grupo de jovens, entre 18 à 25 anos, se preparavam para escrever uma página da nossa história.

Juvenal este era o codinome de Alexandre comandante da VAR - Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Naquele junho de 1969, tinha sobre o seu comando 13 homens e 2 mulheres.

A VAR teve acesso a informação da existência de uma das "caixinhas" do Julinho, em casa de Dona Consuelo dada por um sobrinho da socialyte integrante da organização.

Não sabiam o valor da tal caixinha, mas tinham a certeza de que a soma poderia contribuir para a luta contra a Ditadura Militar, principalmente, na compra de armas para a guerrilha contra o regime.

Naquele momento, os jovens se preparavam para executar a ação determinada pela organização.

O assalto a casa da amante de Julinho não foi o primeiro realizado pelas esquerdas e nem seria o último, mas com convicção foi o de maior repercussão. Saíram da casa-aparelho, em um aero-willys rumo a Copacabana. Chegando ao portão da residência identificaram-se como uma equipe de pesquisadores de televisão. Entraram renderam o segurança e todos os funcionários da casa, com a ordem de todos deitarem-se no chão colocando as mãos na cabeça, sendo a operação feita cômodo por cômodo.

O último foi a cozinha, onde Ritinha, a negra do morro estava encostada junto ao fogão. Juvenal estranhou que a mesma não obedeceu suas ordens. Assim aproximando-se da garota e com a educação que lhe era peculiar perguntou:

- Senhora,

- Senhorita, interrompe Ritinha

- Pois bem, senhorita. Peço que deite no chão!

- A modo de quê? (Ironiza)

- Você pode se machucar. Retruca o comandante.

- Tô bem aqui! Não vou atrapalhar seu roubo.

- Falo para o seu próprio bem.

- Não mandei roubar. Emenda enfezada.

- Esta ação é para libertar o povo pobre e trabalhador do regime autoritário e repressor. Estamos fazendo isso, por você também.

- Daqui não saio, não senhor! Pode vir até Jesus Cristo que daqui ninguém me tira.

- Mas por quê criatura?

Ritinha dá de ombros e fica em silêncio. Juvenal insiste:

- Por favor deite no chão!

- De jeito manera!

- Por quê Deus?

- Quer mesmo saber?

- Ufa! Quero! (diz aliviado)

Ritinha então se afasta do fogão e indica com as mãos a tarefa que está executando. Frita um bife com cebolas.

- E daí, pergunta Juvenal.

- (Ritinha com as mãos na cintura e com um tom firme fala) Ora se eu deixar a carne queimar, a patroa me manda embora e depois me mata.

Juvenal e os outros riram baixinho e permitiram que a cozinheira terminasse o seu serviço.

dialetico
Enviado por dialetico em 15/10/2007
Código do texto: T695267