Filosofia – A aventuras de Dom Quixote

Quixote - Felicidade e o Gênio da Lâmpada

– Meu caro amigo Sancho. Se você achasse uma lâmpada mágica e tivesse um único pedido, o que diria ao Gênio? E não me diga que pediria mais pedidos.
– Oh, meu senhor. Como adivinhaste minhas intenções, agora só me resta um outro pedido a fazer: que o gênio me transforme no homem mais feliz do mundo.
– Neste caso, caro Sancho, você seria transformado em um sábio.
– Sábio, mestre?! É ele a pessoa mais feliz?
– O sábio é a unica pessoa verdadeiramente feliz, Sancho. E deixe de bobagem. Não existe essa coisa de “mais” feliz. O sábio é apenas feliz. Um cachorro morto não pode estar “mais” morto. Também desconheço uma pessoa feliz que possa ter sua felicidade aumentada.
– Donde aprendeste essas coisas, mestre?
– Foi no capítulo IV da Primeira Enéada do filósofo Plotino.
– Nunca ouvi falar. Mas agora diga-me: o que Dom Quixote de La Mancha pediria ao gênio?
– Simples: eu pediria sabedoria.
– Que falta de criatividade, mestre. Então estaria a pedir a mesma coisa que eu: – a felicidade.
– Só em parte você está certo, Sancho.
– Explique-me, meu senhor.
– É que você pediu a felicidade, ou seja, a consequência da vida de um sábio. Isso é próprio do homem comum. Eu, por ser um Cavalheiro, pedi a sabedoria por que quero melhor servir a humanidade, ainda que esta sabedoria pudesse me trazer a pior das infelicidades.
– Entendi, mestre. De fato a sua nobreza me inspira. Mas explica-me uma coisa. Se, como você disse, não existe essa coisa de “mais” feliz, então porque existiria esta coisa de “mais infeliz”, ou “pior das infelicidades” que você mencionaste?!
Quixote se remexeu em cima de Rocinante. – Oh, meu caro Sancho. Por acaso tu andou achando uma lâmpada mágica por ai? Se continuares assim, terei que me tornar seu escudeiro.

Sancho Pança. - Nada é tão ruim que não possa ser piorado.

– Mestre, eu morri?!
– Ainda respira, meu amigo. Mas está em situação deplorável.
– Como tem certeza que não morremos, mestre?
– Não morremos, Sancho. Mas se tivéssemos morrido, teria sido uma boa morte, pois estávamos a serviço da justiça, – disse Quixote cuspindo sangue e areia que se misturavam em sua boca enquanto esforçava-se para sentar-se.
– Que justiça há em lutar contra dez homens – suspirou Sancho.
– A justiça não está nos números, Sancho. Mas nos princípios que estamos defendendo.
– Não há parte em mim que eu não sinta dor, mestre.
– Alegre-se, escudeiro. Lembre-se das palavras de Sêneca: “não há nada que faça sofrer o corpo que não favoreça a alma.”
– Como consegue filosofar numa hora dessa, mestre?
– Filosofia é vida, Sancho, e ajuda a amenizar as dores. Experimente.
– Vou tentar – disse o fiel escudeiro enquanto se arrastava para se apoiar em uma árvore. Disseste outro dia, meu senhor, que a felicidade não está nas coisas externas, mas na contemplação da virtude e da alma.
– Foi bem o que eu disse, meu caro.
– E disse também que estando a felicidade sempre embasada nessas coisas estáveis e internas, ela não poderia nem ser aumentada nem diminuída.
– A surra parece ter favorecido sua memória, Sancho.
– Mas, mestre. Olhe para nós. A julgar por este estado deplorável muito pior do que nos encontrávamos antes da peleia, somos obrigados a constatar que há infelicidades menores e há infelicidades maiores. É bem como diz o ditado: nada é tão ruim que não possa ser piorado.
– Disseste bem, meu escudeiro. De fato, diferente da felicidade, a infelicidade pode ser aumentada ou diminuída, pois ela é própria do homem comum, que põe a consciência no corpo e se mistura com este. O filósofo Plotino bem nos alerta: “não é possível estar em comunidade com o corpo e viver em felicidade.”
– Mais uma vez esse Plotino, mestre. Acaso ele também saberia me dizer como posso estar separado do corpo e ainda estar vivo?
– Venha, Sancho. Sejamos generosos com este recipiente que nos carrega e cuidemos de nossas feridas. Sua pergunta é digna e a busca pela resposta exigira estados físicos mais apropriados.


A metafísica de Sancho Pança. - Eu sou Deus?!

– Veja, Sancho. Tu me perguntaste outro dia como você poderia ser um sujeito separado do corpo e ainda estar encarnado e vivendo neste corpo.

– Achei que tinha esquecido, mestre.
– Estava apenas ruminando, Sancho. Acho que Plotino, o filósofo, te responderia assim:

Quando Aquele que tudo transcende, O Deus Uno e indefinível, transbordou em superabundância,

Nasceu o “Ser”, a “Alma do Todo”, a Mente divina, Cosmo repleto de beleza e bondade.
Quando ao contemplar o Uno esse cosmo transbordou ...

Nasceu você, Sancho, não esta carcaça mortal, mas sua Alma individualizada, a Afrodite Celeste. Alma essencial pura e sem mescla.
Quando essa Alma essencial olhou para baixo,

Nasceu o Personagem Sancho. O homem encarnado (mescla da Alma pura com alma animal). Aqui toda a ilusão da jornada terrena apareceu, não para o seu mal, Sancho, mas para o seu amadurecimento.

Quando o personagem Sancho se purificar pela Virtude e voltar os olhos para o alto, haverá a separação da Alma pura com a alma do animal "comum".
Neste dia, Sancho, mesmo ainda encarnado neste teu corpo, tua Alma essencial, o observador silencioso, assentara no trono sagrado e tu te assemelhará a Deus. Então te tornarás o “Homem Autêntico.”

– Pera ai, meu senhor. Quando o leite derrama, a parte que cai da panela também é leite, estou certo?
– Nenhuma dúvida há nisso, Sancho.
– Então se eu sou um transbordamento de Deus, então eu sou Deus!!
– Não seja megalomaníaco, Sancho. Sua personalidade é um amontanhado de carma e nunca será Deus.
– Mas algo em mim é Deus, mestre?
– Agora sim, Sancho. Quando separares o "Própria" alma pura daquela alma do animal "comum", serás um sábio e te assemelhará a Deus.




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Registra-se que apenas tentei dar uma forma mais amigável aos textos de inestimáveis filósofos clássicos.Poucas dessas ideias são originalmente minhas. Mas como diz os verdadeiros filósofos:

" o maior mérito não está em formular belas ideias, mas em reconhecê-las e ser capaz de vivê-las em alguma medida"