Pé de Galinha.

Uma vez por mês, sempre num domingo, via a mãe arrancar um frango do fundo do quintal, degolá-lo, depená-lo, limpá-lo, cumprir um ou outro procedimento, temperá-lo e por fim lançá-lo na panela para a alegria do esposo e dos cinco filhos. Criavam parcos e esquálidos frangos no fundo do quintal para a própria subsistência. Eram poucos e iam sendo consumidos conforme a procriação.

A mãe o preparava com mão santa, como um alimento sagrado, como só as mães sabem fazer, e, quando abria a panela, o aroma do cozido trazia um ar de felicidade em todo ambiente familiar.

A mãe apreciava todos comerem com o coração cheio de alegria por ter feito seu melhor naquele momento misto de felicidade e tristeza. Felicidade pela família reunida à mesa, todos com saúde e se alimentando com o que havia de melhor no momento, um frango caipira com arroz e tomate no primeiro domingo de cada mês. Era sagrado. Tristeza talvez pela precariedade e situação de pobreza, mas seguia como guerreira a cada dia sem dar ouvidos às intempéries mundanas. Eram tempos de peste e guerras. Tinha a impressão de que os homens sempre estiveram doentes e guerreando desde que o mundo é mundo.

Para ela a alegria consistia em ver o marido e os cinco filhos saboreando o que de melhor podia ser feito naqueles tempos magros.

Cada um tinha sua parte preferida. Um gostava da coxa, outro do jogo, o pai das asas, o peito, e quanto a isso não havia discussões. A mãe havia lhes explicado sobre as dificuldades da vida e da necessidade de partilhar e dividir o pão sem ambição e ganância.

Por fim, sua parte preferida no frango eram os pés. Sugava-os com uma boca boa e um olhar distante..., o que nos causava estranheza, e até riamos do modo como ela chupava o pé do frango. Era uma diversão.

Muitos anos depois, analisando aquilo e me perguntando o porque a mãe gostava do pé, já que para nós era a pior, sem carne, mesmo que seu tempero fosse esplêndido, compreendi que ela não tinha uma predileção específica pelo pé do frango, ao contrário, o comia por ser a única parte que sobrava e à qual ninguém disputava. Importante em qualquer ocasião era ver os filhos satisfeitos.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 20/05/2020
Reeditado em 20/05/2020
Código do texto: T6953049
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.