Maria Mariola e o café com pão

Maria Mariola e o café com pão

_ Mãe tem pão?

Corre a menina de um lado para o outro da cozinha da casa da avó. Os cabelos soltos caindo pelas costas em caracóis pretinhos e assanhados pareciam dançar ao som da voz infantil a repetir:

_ Mãe, tem pão?

Dona Sílvia mal acabara de chegar. Aquele dia não recebeu o dinheiro da faxina. Encontrou a mãe sentada à porta tomando a fresca da noite que chegava ao verão de Cabo Frio. Ela ainda não estava bem, tossia bastante. Deve ter lavado roupa o dia todo pensou a filha que tocou o rosto envelhecido da mãe e a beijou.

Na cozinha Dona Sílvia esquentava a água pra fazer um café. Revigorar as forças. Pensou. A menina como ventania corria e remexia no vazio das coisas a procura de pão.

O pão de Maria era o da padaria, quentinho e cheiroso. O famoso pão francês que ela apenas chamava de pão. O avô voltava do porto com o bolso cheio de mariola. Gritava do portão:

_ Maria, a mariola.

Desabalada despejava nos braços do avô o carinho e a saudade de um dia inteiro sem o contador de histórias preferido. Nos seus seis anos, Maria via no avô o herói das epopéias de fantasmas e assombrações que freqüentavam o Largo de São Benedito, a antiga Abissínia e o Morro da Guia.

Esquecida do pão grudou-se ao pescoço do avô acobertada pela ternura daquelas mãos enormes que a sustinham no céu dos inocentes.

A água ferveu. Dona Sílvia coava o café quando o pai entrou na cozinha. O sorriso daquele velho português, alto, grisalho e forte a reconfortou. Deitou um copo de café a mesa para o pai que o temperou com açúcar cristal. Fazendo barulho desnecessário para chamar a atenção da menina o avô ensaia um sambinha ao remelexo da colher.

Maria na curiosidade e macaquice das crianças começa a dançar arriscando os primeiros passos de uma sambista. O café não devia esfriar e logo a música pára e sorvido o gole da bebida é a deixa para o tagarela iniciar a procura:

_ Mãe, tem pão?

Dona Sílvia não responde, nem Maria vê a lágrima que não caiu. O avô ligeiro retira do bolso a prenda:

_ Tem mariola, Maria!

Aquele pacotinho da cor dos olhos de Maria, pretinhos, brilhosos. Era também um encanto. O gargalhar se ouviu de pronto.

_ Vô, me dá um pedacinho!

_ Só se você cantar.

_ Ah! Vô!Dá... Só um tiquinho!_

_ Canta, Maria. Canta que os “males espanta”! Ria-se o velho acompanhado da esposa que se achegara.

_ Tá, tá, tartaruga. Disse a menina aos risos.

Faz uma carinha de séria, pega a vassoura encostada à porta e começa:

_ Tristeza não fim, felicidade sim. A felicidade é como a gota de orvalho sobre a pétala de flor. Que de leve oscila e cai como uma lágrima de amor!

_ Vai, vô, me dá um pedacinho!

Senta-se a pequena cantora, Maria Mariola, esquecida do pão e do café, no colo do avô que lhe acaricia os cabelos ondulados, perdidos em pensamentos na terra da Ribeira, cheio de amor, era o que tinha para oferecer a neta que na sua inocência ainda não compreendia as dores do amor, nem as dificuldades da vida.

Sonhava-se que Maria Mariola seria feliz! Maria Mariola já era feliz e eles não sabiam o quanto!