O TANQUE DE ÁGUAS          MILAGROSAS

                                       Solano Brum

"- Conheci um tanque, cuja águas armazenadas, provinham de uma fenda na pedra lisa." 

Revelou-me o amigo de meu Pai, certa ocasião em que levara-me ao Convento de Nossa Senhora da Penha, situado num Município não muito distante da Capital de Vitória, de nome Vila Velha.
E eu, estou cumprindo uma promessa feita a Nossa Senhora da Penha, sobre esse relato. Prometi contar essa história real, pela Glória dessa Santa; mas, se pesquisarmos um pouco mais, havemos de encontrar outras, assim como a expulsão dos Holandeses na batalha de anjos, quando de suas invasões ao convento. Quem o visitar, verá, na parte interior, que existe um Quadro bem antigo, que mostra claramente a descrição que faço sobre a expulsão. Um quadro que mostra a invasão, mas que, não há nenhum cicerone, plantado ao lado do mesmo, para informar aos visitantes o porquê daquele enorme quadro.

Começo meu relato, com a chegada desse amigo de meu Pai, de longas datas, de Nome Araújo; homem alto, rosto alongado e nariz adunco, dando a impressão de que era descendente de ciganos, embora o mesmo tivesse aversão a suposto perfil. Essa aparência sempre lhe trouxera desgosto, pois, ficava indignado quando alguém lhe perguntava sobre sua descendência. Não gostava de Ciganos! Sua barba era rala e bigode fino, tinha a boca rasgada, onde, ao primeiro sinal de um esgar ou sorriso, aparecia um dente de ouro na arcada dentária superior; cabelos ralos e ligeiramente brancos sob um chapéu “démodé” (para a época, um chapéu de boiadeiro, com ares de campeão); vestia uma calça de caqui, uma camisa axadrezada de pano "caqui" além  de calçar botas um tanto gastas. Eu o vi conversando com meu pai num sábado à tarde, em sua casa. Trocaram boas conversas, mas como já se aproximava a noite, ele ficou de voltar no outro dia, para alongar mais a conversa. Assim, despedindo-se, entrou num taxi que o aguardava à porta, desde sua chegada, deixando meu Pai, tão surpreso quanto boquiaberto, mais pela visita inesperada quanto encabulado por ele o haver encontrado após tantos anos. Nessa ocasião, quem lhes conta essa história, estava de passagem àquele lugar, pois pretendia viajar para o Rio de Janeiro e como a uma última visita a meu Pai e meus irmãos menores, minha permanência já durava cinco dias. Nessa época, Papai trabalhava na Prefeitura de Vitória.
Após sua partida, não mais se comentou sobre o visitante e a noite escorreu tranquila; todavia, no outro dia, antes dos ponteiros marcarem as nove horas da manhã, ele apareceu. Após cumprimentar meu Pai com seu largo sorriso, foi logo entrando no assunto, o qual, meu Pai muito desejava ouvir:
Ele o convidava para acompanhá-lo ao interior de Minas Gerais, a uma empreitada de deslocamento de bois, de uma Fazenda para outra. Era o seu atual trabalho. Lembro-me bem de que, enquanto conversavam, recordavam das muitas jornadas com grandes quantidades de bois pelas estradas, sendo levados ao destino, que sempre era uma Cidade mais próxima, para o embarque em vagões de trens. Eles tinham grandes conhecimentos sobre esse trabalho, mas, o tempo ficou para trás e meu Pai buscou outros trabalhos, pois, as empreitadas daquelas épocas, foram minguando ano após ano. Os bois, eram sempre para cortes, por esse motivo, os Abatedouros foram proibidos; e foi uma exigência tão grande que os animais para o corte só poderiam chegar aos Abatedouros permitidos pelo Governo, em caminhões apropriados ou vagões de trens, e após serem abatidos, levados aos frigoríficos em caminhões devidamente refrigerados. A exigência primava pela higiene; daí, meu Pai afastou-se dos companheiros e passou a trabalhar em Açougues e depois, chefe de oficina mecânica - pela Secretaria de Transporte da Capital, onde foi encontrado por esse amigo de longas dadas. Lembro-me de sua cordialidade em recebe-lo, mas, não aceitou sua proposta; e nem poderia, eram outros tempos e já não podia mais montar cavalos e passar longos dias levando bois de uma Fazenda para outra.
Numa das conversas, Papai argumentou sobre a proibição dos animais sendo levados, a pé, estrada em fora, por longos dias para chegarem aos Abatedouros; que, doravante, tudo era feito por caminhões, já desde os tempos em que eles haviam se separados... "-tem lembranças?" 
Mas ele insistiu, dizendo que tinha uma ótima empreitada, que seria bom que meu pai fosse com ele, etc, etc.
Lembro-me que, meu Pai lhe pediu licenças para verificar algo na Oficina, e que ele pouco notou o disfarce, já que era sábado e a casa do Chefe da empresa dos Carros da Prefeitura, ficavam nos fundos. Chamou-me a um canto, longe dele, é claro, e comentou comigo, sobre a proposta inadequada. Contou-me o porquê daquela visita mas, não podia voltar ao que dantes era, já que, no passado, nada conseguiu; e, muito menos agora, depois de tantos anos!
- Espia só, meu filho, esse moço é meu amigo, mas, o que ele quer, não posso atendê-lo!
Quando voltamos, a desculpa que ele lhe dera, confesso, não a ouvi; mas, como era ainda cêdo, domingo de sol, ele agradeceu a oportunidade de vê-lo com saúde e bem disposto mas que precisava voltar para pegar o trem, antes porém, deveria visitar o Convento de Nossa Senhora da Penha e que, se possível fosse, lhe desse permissão em levar-me, em sua companhia, ao passeio. Meu Pai permitiu, antes, porém, conversou comigo e entusiasmou-me sobre o passeio, dizendo que, aquela Santa era minha Madrinha de batismo e que era uma boa oportunidade de conhecer o Convento. Daí, aceitei o convite, pois, além de conhecer o Convento, alegrou-me saber que a Santa era Minha Madrinha. Lembro-me de entramos num taxi, possivelmente o que permaneceu a sua espera e rumamos para o Distrito de Vila Velha. Ao chegarmos, caminhamos a pé até a parte mais alta onde havia um largo quintal. Logo acima, avistava-se as escadarias até o Convento.
Lembro-me que ao chegarmos nessa parte como a um quintal, havia um tanque, feito de pedra, vazio, na base lisa da laje de pedra. Foi ai que ele contou-me o caso de muitos anos atrás:
- Solano, - disse-me ele, - esse tanque aqui, segurava umas águas vindas daquele corte ali... Ergueu o braço e a mão apontou-me o lugar - (era uma fenda mais acima, na pedra lisa) – e muitas pessoas foram beneficiadas com essa água, pois, vinham até aqui, bebiam aos goles, passavam nos lugares do corpo que apresentava alguma ferida e se curavam.
Espantei-me com aquela revelação espontânea de sua parte, e também pelo seu conhecimento sobre a história. Deveria ser mesmo verdade, pois, o tanque estava ali, mas e a água? Perguntei-lhe.
A água secou!
Respondeu-me num tom não só lacônico quanto triste, como quem se lembra de algo distante; pareceu-me que seu comentário fora movido por uma lembrança antiga, como quem já estivera ali para buscar a cura de algo impossível e encontrara o tanque vazio e a fenda seca, e ficara sabendo do ocorrido.
E porquê? – Perguntei-lhe, entusiasmado.
Porque um dia... Fez um minuto de silêncio, como se mergulhasse sua mente a um passado distante e acrescentou: - veio aqui uma prostituta com um cachorro cheio de feridas... Tomou com as mãos as águas represadas e lavou o animal. O cachorro ficou curado, mas a água, dias depois, parou de jorrar e secou...
Mas, - completou como se defendesse a autora do ocorrido - não foi o fato de ela ser uma prostituta... Foi a audácia em lavar o animal. A água, era para os humanos e ela fez uso em um cachorro. Por castigo, nunca mais ela voltou a jorrar. Daí, o porquê do tanque estar vazio!
Nunca mais me esqueci do tal fato e quilo ficou em minha cabeça, vagando por alguns meses. Lembro-me que na primeira Procissão dos Homens, que saiu da Matriz de Nossa Senhora da Vitória, do Centro da Cidade, para o Convento em Vila Velha, eu a acompanhei. Saímos a meia noite e lá chegamos as duas e trinta da madrugada, por aí. No meio da aglomeração, consegui chegar ao pé da pedra e lá estava o tanque, só que poucos sabiam o porquê de sua existência.
Muitos anos depois, voltei,  ansioso por encontrá-lo, mais não o vi, todavia, a fenda sim, mais acima,  como prova de minha história.

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  A ÁGUA MILAGROSA
                 Solano Brum                
 
Outrora, de uma fenda rochosa,
Na base do convento; escorria
Um filete de água milagrosa,
Pelas graças da Virgem Maria!
 
Por muitos anos, permanecia
- como explica esta resenha –
Curando, a quem dela bebia,
No convento sobre a Penha!
 
Havia um tanque – isto, eu sei,
Pois, dele, falara-me um senhor
Para a água da fenda rochosa...
 
Mas, houve quem ferira a lei...
Se por descredito ou por amor,
Secou-nos a água milagrosa!

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Solano Brum
Enviado por Solano Brum em 01/06/2020
Reeditado em 14/08/2023
Código do texto: T6964311
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