Ela que sempre teve fama de inteligente!

Sentei numa cadeira velha, numa noite sem graça, depois de um dia sem esperança. Uma tagarela se aproximou e começou a falar pra mim, mas minha mente não estava ali; estavam na história de uma moça, que eu nem conhecia, porém que seus olhos me chamavam atenção. Ela ouvia a tagarela e eu lia os seus olhos fundos, como de uma velha.

Tinha algo de errado com ela, todo mundo via, mas ninguém dizia nada! Os cabelos delas eram de jovem, mas não eram cuidados, logo se tornavam como de velha, assim como os olhos. Sempre curvada, séria por demais, e também muito indiferente. Não via alegria em nada, porque tudo que fazia era para os outros, para que sua imagem (que tanto a fazia sofrer, mas já era de costume) se mantesse.

Tal moça era muito inteligente, todo mundo achava. Vivia apressada, correndo de um lado para outro como se estivesse perdida, como se tivesse algo dentro de si que nem ela entendia. E não entender isso a atormentava e por isso ela esquecia de se amar. E porque não se amava não amava ninguém.

Ela não tinha amigos. Não construía nenhum laço, ninguém poderia chegar tão fundo, tão fundo onde nem mesmo ela ousava ir. E assim tudo de bom nela permanecia esquecido; e durante sua vivência as palavras que tanto precisavam ser ditas e as lágrimas que tanto precisavam ser choradas nunca aconteceram.

Ela acreditava em Deuses, mas nunca se entedia com eles. Tudo que sofria (sem entender), era culpa deles. E assim ter fé era como abraçar alguém que a açoitava. Amava a divindade, entretanto, a culpava pelos seus sofrimentos.

Sofrera muitos anos sem entender o que sentira, era coisa de coração, de alma... Por seis anos seguira sofrera em vão -ou não- ela não sabia. O que sabia era que algo gritava dentro dela, devia ser seu inconsciente...

E como num lapso, eu, o tempo, sentado naquela cadeira velha, vi qual era o problema da moça: era que ela sempre teve que esconder seus desejos, os mais profundos. E de tanto esconder, se transformou em um alguém diferente, que não tinha tais desejos. E viver sem eles era um tiro em sua vida e personalidade. Mal sabiam os outros ao redor que a estranheza da moça residia na falsidade de seu personagem.

Nessa mesma noite a contei tudo que acabo de vos dizer, e ela: Como não descobri antes? Logo eu que tenho fama de inteligente? - riu-se, estava feliz, acabara de descobrir o mistério que lhe assombrara.

Assim, digo, quando se trata do coração e da alma, a inteligência não basta; tem que ter ajuda do tempo também.

Maria Estella

13/06/2020 às 04h 19min