Sonho?

Sonho?

– Deixa secar, filha, deixa secar o terreno. – Dizia uma preta-velha a uma mulher com quem conversava. A mulher, entre seus 30 e 40 anos, estava ali, naquela cidade espiritual, em desdobramento do sono físico. E a preta-velha continuou:

– Quando o terreno tá muito remexido, filha, quando o terreno ainda tá úmido das enxurradas da vida, não adianta mexer porque não tem firmeza pra sustentar as pilastras que precisa. Então, minha filha, deixa as coisas se assentarem. Quando o terreno estiver bem seco, tu começa a fazer a limpeza e colocar tudo em ordem. Até lá, vá preparando as ferramentas que precisa. Fortaleça tua fé, cuide da tua coroa, não esmoreça diante das dificuldades, porque é isso que os irmãos lá de baixo querem.

A mulher estava se esvaindo em lágrimas. Seu corpo espiritual estava cheio de marcas, de manchas, larvas; e se não fosse cuidado, em breve ressoaria em seu corpo físico. Tudo aquilo era resultado de anos de mágoas guardadas, palavras não ditas, decepções, desilusões pessoais e existenciais.

A preta-velha, através de um rápido passe magnético, a fez adormecer, mesmo em espírito, para que pudesse ser melhor cuidada. Então, com algumas ervas que estavam ao seu alcance e um pouco de água, fez um macerado e começou a passar pelo corpo daquela mulher. Enquanto realizava os procedimentos, mentalmente, a preta-velha pedia ao Pai Maior e aos trabalhadores da cura que permitissem a recuperação daquela filha de Deus.

Após alguns minutos, terminado o serviço, a mulher despertou e percebeu que as dores estavam amenizando. A preta-velha, então, continuou a conversa:

– Filha, as tuas preocupações são justas: tua casa, teu coração, tua vida, enfim... Mas por que carrega tanto aquilo que não te pertence? Deixa ir o que não é teu. Nega velha sabe que não é fácil, mas é preciso colocar em prática. Às vezes, filha, quando a gente estende a mão pra ajudar alguém, a gente acaba sendo puxado pra baixo ao invés de puxar a pessoa pra cima. Cuidado. Saiba fazer exatamente o que tá ao teu alcance. Nem mais, nem menos. Não é egoísmo, não, filha! É preservação de si mesmo. Quanto às preocupações com o mundo, isso carece de cuidado mesmo, mas tenha a fé em ordem. A Terra tá passando por uma fase de transformação, como muitos amigos daqui já disseram. E essa transformação tá acelerando cada vez mais porque é necessário. Não é a primeira e nem será a última vez. O Pai tem tudo sob controle.

A mulher arfava, mas aos poucos foi retomando o controle de sua respiração. Conseguiu e perguntou para a preta-velha se precisava ser daquela maneira tão dolorosa. A preta-velha olhou séria para a mulher e falou:

– Filha, vocês tiveram oportunidade de aprender pelo amor. Não aprenderam. E agora, através da dor, virá o aprendizado. E creia que essa não é a forma mais dolorosa. Acalma teu coração e tua mente. Mas já tá chegando ao fim esse momento que vocês estão vivendo lá na Terra. Tenham mais paciência. O que tá acontecendo, precisa acontecer. E as coisas aqui do lado de cá, minha filha, também estão muito pesadas, mas nós continuamos a fazer o nosso trabalho. Se o Pai não desampara nem mesmo que se desvia do caminho da Luz, a filha acha que Ele ia desamparar quem trabalha por Ela?

A mulher ficou sem reação! A preta-velha percebeu que a mulher estava quase totalmente recuperada e disse:

– Nega Velha vai levar a filha agora pra um passeio pelo lado de cá. É isso que tá em teu mental o tempo todo.

Dito isto, a preta-velha chamou uma pequena equipe de guardiões para acompanhá-las. Era tremendamente necessário. O passeio começou pelos hospitais que havia na parte interna da cidade, mas ali não havia grandes novidades, pois o trabalho se assemelhava muito aos hospitais no plano terreno.

Na sequência, foram para a parte externa da cidade, por onde chegavam os desencarnados; tanto os que por mérito vinham direto, quanto os que eram resgatados das zonas umbralinas pelas equipes de socorristas. Ali, foi possível ver a infinidade de espíritos que chegavam e a quantidade não tão infinita assim dos espíritos que estavam a trabalhar em prol do próximo. A preta-velha esclareceu:

– Filha, tem muita gente desencarnando e não é só por causa dessa doença nova que aflige a Terra. Os desencarnes pelos outros motivos continuam acontecendo. O problema, filha, é que aquilo que vocês chamam de mídia, não está dando a devida atenção porque essa nova doença é mais chamativa, não é mesmo! Nós aqui estamos muito atarefados, filha, muito atarefados mesmo. E se não fosse pela benevolência do Pai Maior que não nos deixa desistir e ainda permite que muitos encarnados nos ajudem, a gente não ia suportar não. Mas é a nossa Fé e a nossa Esperança que nos mantém firmes no propósito de ajudar a quem precisa e merece.

À medida que se afastavam da cidade, o ambiente se modificava, se densificava, o que, para um espírito de encarnado, tornava o prosseguimento mais difícil. A mulher foi vendo espíritos deteriorados, rastejando, parecia uma praça de guerra. Na verdade, porém, era o início dos postos de socorro. Aquilo foi angustiando a mulher cada vez mais. A preta-velha a tranquilizou, dizendo para não esquecer que não estava só e para manter-se firme em seus pensamentos. Assim, evitaria ser subjugada por seres que não eram de luz. Ali, como em qualquer canto, a atração se dava través dos pensamentos. Então, se ela não vigiasse os seus, de nada adiantaria a proteção da equipe de guardiões.

Seguindo adiante, chegaram num nível em que os seres pareciam nadar, se afogar num terreno lodoso, fétido, podre. Eram seres que se perderam em seus emocionais desequilibrados e agora estavam ali, perdidos. Os seres de luz não podiam simplesmente tirá-los dali, pois os seres que ali estavam, precisavam expurgar seus excessos. O resgate de espíritos em qualquer nível que seja, depende de o espírito reconhecer-se devedor da Lei Maior, aceitar a situação e pedir por ajuda superior. Ou em outras situações, por permissão do Alto. Sim! É isso mesmo, só é ajudado quem, além de pedir por ajuda de forma sincera, merecer de acordo com a Lei e a Justiça Divinas.

A preta-velha levou a mulher através de alguns níveis, até onde lhe era permitido. Em cada nível, conforme o que fez o espírito cair ali, o sofrimento aumentava e era proporcional aos delitos. Quem caíra por excessos racionais, tinha a sua razão esgotada de negativismos. Quem se rendera aos excessos libertinos do desejo por puro desejo, tinha seus instintos sexuais atiçados até serem esgotados por completo. Quem praticava o mal do egoísmo desenfreado, via-se ali como só mais um, mendigando atenção. A cada nível percorrido, a mulher percebia que havia diferentes espíritos para atuar em cada situação. A preta-velha “leu” os pensamentos da mulher e falou:

– É isso mesmo, filha. Não é todo espírito que sabe fazer de tudo. Aqui deste lado, nós também nos especializamos conforme determinação vinda do alto. Aqui, cada um faz exatamente o que lhe compete. Quando algo está fora do que cabe a nós, simplesmente pedimos ajuda e encaminhamento a quem sabe. Temos plena consciência de que se fizermos algo no qual não temos pleno conhecimento, vamos atrapalhar mais do que ajudar.

Chegaram num ponto em que o ambiente estava por demais denso. A preta-velha ordenou que parassem e disse à mulher:

– Daqui para a frente não podemos mais seguir. Aqui começa o terreno daqueles seres que permanecem relutantes quanto a aceitar a Luz. São hábeis manipuladores mentais e trazem já o mal entranhado em si devido a muitos e muitos séculos de escuridão. Aqui imperam a agonia e a dor extremas. Somente espíritos guardiões altamente especializados é que têm permissão para ultrapassar esses limites. Alguns dos irmãos que estão aqui até têm a possibilidade de serem salvos, mas não demonstram disposição para isso. Mais abaixo ainda estão aqueles seres que a Misericórdia Divina já determinou que não mais voltam à Terra, que se prepara para um novo estágio de evolução.

Dali eles tinham de voltar. No caminho de volta, a preta-velha esclareceu que o que nós chamamos de umbral, estava também a ser mexido pela espiritualidade de luz porque a quando a Terra completar sua etapa evolutiva, não haverá mais necessidade de um lugar como aquele, onde impera apenas o sofrimento e toda a sorte de baixezas.

Já de volta na cidade, a preta-velha e os guardiões reenergizaram o espírito da mulher, que se desgastou devido a não estar habituada àquela situação. Reequilibrada a mulher, a preta-velha continuou:

– Filha, tu chegou aqui de um jeito e sai de outro. Tu viu que teu sofrimento, embora justo, pode ser pequeno diante de outros. E por que a nega velha fez isso? Foi para mostrar que nós, aqui deste lado, podemos fazer muito, o Pai Maior nos ampara e nos dá condições de permanecer na luta. Mas vocês podem ajudar muito. Como? Se mantendo firmes nos propósitos da Fé que escolheram, levantando a cada vez que caírem, ajudando ao próximo sem nada pedir em troca, perdoando-se e perdoando. O mundo já está cheio demais de coisas ruins e vocês não precisam contribuir para piorar. Devem escolher o lado da Luz, mas têm o livre arbítrio para não escolhe ou não escolher lado nenhum. A decisão é de cada um.

Após dizer isso, a preta-velha abraçou a mulher e conduziu-a de volta ao corpo físico; velando-lhe o sono por alguns instantes e lhe intuindo bons pensamentos. Depois, foi embora e agradeceu aos guardiões da casa.

Ao despertar no dia seguinte, a mulher, apesar do cansaço com que acordara, estava com uma boa sensação. Uma nova esperança parecia haver lhe nascido no íntimo do seu coração e não sabia explicar o porquê, pois não se recordava de sonho algum. Tomou seu banho, depois o café e saiu para o trabalho. No caminho, na parte que fazia a pé, acabou ajudando uma senhora negra que quase caíra devido a um escorregão. Trocaram sorrisos de agradecimento e cada uma seguiu seu rumo. Se a mulher tivesse olhado para trás, teria visto o largo sorriso de satisfação da senhora que acabara de ajudar.

(18-07-2020)

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 18/07/2020
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