Desaparecidos

Por explicações que eu não domino, uns fatos bem estranhos começaram a fazer parte do dia a dia desses seres. Mais estranho do que nosso cotidiano cheio de falsos indivíduos.Esses mesmos seres começaram a desaparecer. Às vezes dormindo. Às vezes correndo. Às vezes juntando pensamentos inúteis. Não tão raro comendo a última refeição.

As autoridades não sabiam quais ações seriam as mais adequadas. No início as mortes ( assim estão chamando, porque não verão mais tais pessoas ) geraram um pânico latente. Passados dias, o pânico foi domesticado com álcool. Passados alguns dias, pânico só estava nas páginas dos dicionários da rede. Passadas algumas horas, pânico é apenas um substantivo.

Os seres começaram a comprar, dançar e dirigir palavras mais amáveis aos astros. As calçadas ficaram tomadas desses seres. A bolsa de valores começou a reagir. Mas as pessoas continuavam em seus contínuos desaparecimentos.

Era um tanto esquizofrênico ir trabalhar e não saber da possibilidade de agendar coisas sem importância após o expediente.

Li, ouvi e me submergi em várias teorias. Ter mais filhos. Se congelar. Continuar o incontinuável. Às vezes gritavam e sumiam.

No futebol, o número de reservas aumentou. Num jogo qualquer o goleiro poderia sumir. As regras foram ajustadas.

Nos casamentos, tornou-se salutar ter mais noivos ou noivas.

A taxa de natalidade aumentou.

Os tempos de estudo diminuíram. A entrada no mercado de trabalho é mais precoce, assim como tudo: da filosofia à astrologia.

Resolvi ir para um sítio. Isolado. Desapareci. Estudei muito tempo para tornar minha propriedade autossustentável. Estou caminhando com tranquilidade , fuga da cidade, encontro com a paz. Um tanto cafona, no entanto todo conto pode ter uma frase cafona.

Não preceberam meu desaparecimento.

Família ausente.

Amigos em outra dimensão.

Apenas meu contexto existencial e minha certeza de que eu faço falta a mim mesmo.

Após três anos de vida afastada, fui à cidade comprar utensílios.

Os desaparecimentos cessaram. Mas as pessoas não sabiam o que fazer com essa nova sociedade normal. Talvez a normalidade seja o que mais apavore esses seres.

Mas creio que alguém que desapareça numa crise de desaparecimentos, não deva ser levado tão a sério. E diante de tais acontecimentos, faz-se ímpar meu retorno ao lar.

Um lar em que os desaparecidos apareceram novamente.

Fabio Garcia
Enviado por Fabio Garcia em 01/08/2020
Reeditado em 01/08/2020
Código do texto: T7023238
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