Em Tempos de Pandemia 8

Viver com Walter nos últimos dois anos, foi descobrir estar na informalidade, aquela relação onde não pedia troca, troco. Desnecessitava de justificativas quando, mesmo de corpo presente, Elba não estava ali. Vivia espasmos existenciais.

Acordava e não queria conversa, outras vezes, nem ser mexida. Quando isto acontecia, chegava dormir no pequeno quarto pareado ao do casal, tudo consentido, sem ressentimentos.

O sexo, oscilava entre temporadas quentes, outras, frias. Walter a acompanhava no ritmo, e Elba, o dele, que muitas vezes não coincidia no gosto de estar para “a coisa”.

Quando percebiam por osmose, de que poderia sair chamas e labaredas do trabalho a quatro mãos nos corpos um do outro, um dos dois dava o sinal, seja Walter saindo do banheiro depois do banho somente de cueca preta, a cor preferida de Elba, consumando o final de noite arrumando a cama , com esticar de coberta antes de dormir, ou Elba, indo dormir junto com dele.

Não tinha para ninguém, não cabia mais ninguém no apartamento, nem mundo, profissões, a carniça que o mundo exalava.

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A vida, a profissão, levaram Elba tornar-se “bicho estranho”. Nem feliz, nem triste, água mansa de lago. Foi nisto que se encontrou no timão da balança.

Fazia o que tinha que ser feito para manter-se viva, com qualidade de vida: trabalhava como assistente social, cidadã pagadora de impostos, uma pessoa a menos dependente de imunodepressores, vivia como equilibrista sobre o próprio emocional para manter-se de pé, de baton, rímel e blusch com seus truques.

Tinha seus desarranjos, aquelas loucuras que acometem qualquer cidadão de bem, que se vê no emaranhado de problemas insolúveis, seu e, do mundo.

Elba resolveu não ser triste mais, amarga, frustrada,saiu do pedestal de puritana e critica aguçada da atuação dos homens no mundo . Foi tempo depois do falecimento da mãe, com quem morou desde que nasceu, há quarenta.

Descobriu, mesmo tarde, com a ida de dona Tuta, que estava só, era só para levar a própria vida, deveria pegar-se pela mão, seguir, não depender de ninguém para dar conta, cor no seu mundo.

No período que despertou na necessidade de cuidar de si, em curto diálogo com Walter no Hospital da cidade onde morava, tratando do destino de um paciente que havia dado entrada na emergência com amnésia, sem documento e familiares, que a ignição da relação foi ligada, por Walter que a convidou para saírem.

Estava sem parceiro quando o conheceu. Há época, distante da Igreja que frequentava, vivia uma crise de fé. Muitas dúvidas, descrenças, via a todos e a si mesmo no mundo como num mesmo contexto, não somente os da sua religião, mas os das demais, esgatunhavam Deus implorando clemência, ajuda, proteção, e cada vez mais a multidão de seres se perdendo dentro de si mesmos, sem o captar do “se vira nos trinta da realidade”, para andar sobre as águas turvas dos acontecimentos, sabendo cair e levantar.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 08/08/2020
Código do texto: T7029749
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