Georgina

O som de duas ou três notas agradáveis quando a porta abria, avisava a chegada de mais clientes. O café bistrô era o lugar da vez; decorado com móveis em couro, almofadas suntuosas, uma penumbra elegante, de maneira era quase possível ver o próprio reflexo nas luminárias.

O movimento era imenso, principalmente na alta temporada, e parecia até que numa cidade grande daquela, tomar café era a receita para manter o sorriso no rosto.

Parte do sucesso do bistrô era Georgina, que esbanjava paciência, simpatia e conseguia boas gorjetas por conta disso. Vez ou outra arriscava um portunhol, decorou em inglês as sobremesas do cardápio e algumas sugestões de café, só para atender melhor quem fosse por lá pela primeira vez.

Certo dia, já no fim de tarde, entrou um casal jovem, bronzeado. Todos repararam na sua imponência e ar altivo, enquanto eles sentavam discretamente em uma das mesas com vista para o terraço. O ambiente era mesmo acolhedor com todas aquelas referências sobre cinema e música.

O casal praticamente sussurrou para fazer o pedido, o que quase obrigou Georgina a adivinhar o que eles queriam, ainda assim, a garçonete os atendeu com o sorriso e as melhores opções da casa. Massa, vinho, doce, café, pareciam à vontade com aquele universo, com aqueles preços.

A mulher inexpressiva, totalmente indiferente a tudo; o homem, não menos indiferente, ainda conseguiu esboçar um sorriso no momento em que Georgina substituía os pratos, os copos. O homem assumiu as falas, e também a conta.

Do outro lado da sala, Georgina pensava em como a vida podia ser rude; pouca empatia, tanto azedume, polidos com dinheiro. Para a garçonete, aquele casal não engordaria nem se enchesse a boca de açúcar o dia inteiro.

O homem pôs algumas cédulas dentro do envelope que tinha as cores do café bistrô, mais uma excentricidade daquele lugar. Ele escreveu alguma coisa e colocou junto com o dinheiro. A garçonete aguardava a gorjeta com ansiedade, mas disfarçava olhando para os calos na mão direita.

Georgina pegou o envelope, agradeceu ao casal, parabenizou pela escolha, enfim, agiu como alguém que domina o seu ofício. O casal por sua vez, não fez nenhum esforço para retribuir a cordialidade. A garçonete se dirigiu ao caixa para receber o trocadinho da vez. Abriu discretamente o envelope e viu por cima das cédulas, no verso do cupom fiscal a frase “Não dou gorjeta a uma garçonete preta”.

Lis F Nogueira
Enviado por Lis F Nogueira em 11/08/2020
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