O pássaro da gaiola dourada.

O dourado da gaiola não chamara tanto a atenção quanto o canto daquele pássaro cativo. Das grades que delimitavam seu espaço físico era possível ver a extensão do mundo que um dia lhe pertencera. Tempos outros onde o paradoxo se revelava na força e leveza das suas asas, que o faziam pairar pelos ares e dançar sob as nuvens, em um lindo espetáculo onde o céu era palco. Para não se ver acorrentado também no seu mundo interno, ele cantava! Cantar era um jeito de ser livre. Cantar era sua rebeldia, seu modo de subverter àquele que o roubou de si. Ele também era dado a fantasias. Criara para si um mundo onde a liberdade pudesse ser vivenciada na essência do seu desejo. Assim, diariamente ele se via solto, dançava pelos céus junto a seus pares, avistava toda a magia e beleza que habitam o mundo lá fora. Nesse mundo ele experimentava a completude, nesse mundo ele experimentava a sensação de preenchimento do vazio pelo que dele havia sido roubado. Todos os dias eram iguais: Logo cedo lhe era oferecido água e comida, contemplava o mundo pelas grandes grades que o cercavam, e com tamanha angústia sentida, cantava. Adentrava em seu universo particular de uma liberdade inventada e então... era feliz! Em uma manhã comum, ao cumprir seu ritual diário, percebeu que a porta da gaiola se encontrava aberta. Não soubera responder se foi descuido de alguém ou se ela sempre estivera assim. Agora isso não importava! Em um súbito de euforia e medo ele se viu paralisado! O seu desejo estava ali, diante dos olhos como uma possibilidade real. E agora? O peito disparado, mal conseguia cantar. Ele arrisca os primeiros passos que o aproxima da porta aberta. A palavra Liberdade ressoava em seu ouvido como uma música, dessas que a gente canta para acordar a coragem. Percebeu o vento tocando-o como nunca antes havia percebido. Era sua libertação. Deu mais dois passos, três... apenas um passo e duas barras paralelas o separavam da sua vida, sua essência, seu SER! Arriscou bater as asas, uma, duas, três vezes. Será possível esquecer como se voa? Antes de pensar na resposta, se jogou! Bateu as asas sofregamente até atingir um ponto de estabilidade nos ares.

E-S-T-A-B-I-L-I-D-A-D-E, sentiu um frio nas entranhas ao perceber que a deixara no momento que lançou voo. O cenário era diferente de como ele se lembrava, diferente também daquele que ele imaginava em suas fugas temporárias, que o tornava parcialmente livre. Era imenso, não se podia calcular sua extensão, quanto mais ele seguia adiante mais esse estranho e desejado mundo se apresentava infinito. Sentiu medo. Batia as asas meio desajeitado. O cansaço tomara conta, suas asas não mais sustentavam o voo, então ele pousou. Sob uma árvore que proporcionava uma visão privilegiada, descansou o corpo esguio, exausto... mas não se desfez do peso de não saber de si.

Enfim tivera toda a liberdade que ansiava, mas permanecia um oco que ele sequer conseguia nomear.

E agora? Desbravaria esse “mundo novo” em busca de sentido, ou retornaria à sua vida segura? Liberdade ou segurança? As incógnitas o mantivera inerte. E uma pergunta ressoou fazendo eco no vazio indizível que o atravessara: Qual o sentido agora? Talvez o sentido seja esse: buscar!

Marcilaine Andrade
Enviado por Marcilaine Andrade em 25/08/2020
Reeditado em 25/08/2020
Código do texto: T7046279
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