A triste despedida do boêmio - 2ª PARTE

Um ano depois; Pouco mais de um ano, na verdade.

Continuo trabalhando na mesma empresa e na mesma função. Continuo frequentando o mesmo bar e tomando os mesmos venenos. Refletindo isso agora, noto o quão enraizados nossos hábitos podem se tornar.

Certas coisas mudaram muito... Começando pelas cadeiras do bar, passando pelo meu 'Eu-Lírico', chegando até a vida de das pessoas pelo mundo inteiro, com esse cenário de pandemia. Desde as cadeiras até a psicosfera global, muita coisa mudou.

Em incrível contraste, certas coisas parecem nunca mudar... Os frequentadores do bar! A prova de que os hábitos podem criar raízes mesmo.

Entre eles, o senhor Gilberto, o catador de papelão, o boêmio do conto anterior. Que outrora se despediu de todos e estava de partida para São Paulo. Em pé, gesticulando muito, falando alto e brabo.

Desta vez, trazia uma novidade. Uma caixa de som, com luzes, aquela pirotecnia de bar. E para minha surpresa, tocando uma cumbia argentina de muita qualidade! "Sonzeira" a tal que pedi para que ele aumentasse. E ele, feliz, aumentou.

Seu Gilberto ficou ao meu lado por um tempo. Falando, conversando e criticando novas tendências musicais. Fez isso por um tempo, até mergulhar em um novo enredo.

Começou então a afirmar que tinha muito dinheiro. Inclusive me mostrava o dinheiro que tinha na carteira. Falava sobre chácara em São Paulo. São Paulo sempre está nas histórias dele.

Finanças e bens materiais é um assunto que, sinceramente, pouco me interessa. Tanto é que saí para o lado de fora do bar, dar atenção à um cachorro que ali estava. Parecia estar com fome; Ou simplesmente me induzindo com aquela expressão que só eles sabem fazer.

Entrei novamente no bar e pedi uma linguiça, para dar ao cachorro. Seu Gilberto prontamente interrompeu, foi até sua carroça de papelão e achou uma sacola, cheia de salsichas. Disse que sempre anda com salsichas por causa dos cães que pelo caminho encontra.

Ele alimentou à esse cão e com o passar do tempo, alimentou também outros cães que apareceram. Enquanto bebia sua cerveja.

Retomou sua postura de poderoso aquisitivo. Esbravejou, torrou a paciência de muitos que estavam no bar. Mas no final, quando foi embora, eu senti necessidade de agradecê-lo, pelo que vi. Pelo gesto, pelos que não podem falar.

Pensei no que dizer, e o mais adequado foi: "Seu Gilberto, que Deus lhe pague". E pela primeira vez na vida, entendi o significado de uma frase tão simples e que ouvi por tantas vezes.

Compreendi que quando uma pessoa diz: "Que Deus lhe pague", ela não tem outra forma de agradecer ou retribuir. E que talvez, a grandeza de algumas atitudes, só possam ser recompensadas por uma força superior mesmo.

Seu Gilberto foi embora, mas espero que Deus lhe recompense por lembrar de ser bom com aqueles que são puros. Espero também poder ouvir mais vezes na vida, "que Deus lhe pague", agora posso sentir essa frase.

Rafhael Morcego Franco
Enviado por Rafhael Morcego Franco em 11/09/2020
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