É BRONCA, MEU PATRÃO! (5 vidas -1 parte I)

Recife. Oito horas da noite. Um calor do caralho! As muriçocas arrodeando a cabeça e o barulho de carro na avenida. Porra, é foda! E o pior é que ainda é dia 16 e o dinheiro tá acabando. É bronca, meu peixe! Vou ter que fazer umas correrias no fim de semana. O negócio vai ser convencer a boyzinha, tá ligado?

Porra, de novo? Tu não para em casa, tu…

Mirmã, eu já te falei que é porque tô liso? Ó o armário, pô! Daqui a pouco nem manteiga tem…

Só fala a mesma coisa! Tu só tem ocado!

É bronca, meu parceiro! O pior que vem vindo pirrá aí. E tu já sabe… fralda, toalhinha úmida, sabão de coco e toda essa fulerage aí.

Pra mim o básico tava bom. Mainha mesmo lavava era com sabonete normal e tava novo!

Mas mulé é foda! Digo a tu: case não que você toma no rego! Pelo menos a gente que é já fodido da vida só arranja dor de cabeça mesmo. Vá pelo cara, doido! Porque, assim, a gente quer curtir, tá ligado? Mas se a boyzinha tá ruim a gente fica ruim também. E liso é que fode mais ainda.

Eu queria, claro, uma casa com um cachorro e um quintal com um pé de acerola pra fazer suco. Mas casa… casa mesmo, a gente nunca teve. Eu pelo menos não. Nós morava num barraco ali na Linha do tiro. Perto de um córrego. Fei pacarai. E um fedor de mijo da porra! Meu pai era porteiro num prédio na Encruzilhada, um desses bem véi, só salário mínimo mesmo. E mainha, mainha tava arreada. Desde de que Doninha morreu ela só ficava lá no canto. Não chorava nem nada, mas parecia uma mongolóide sem se mexer.

Aí, meu filho, alternativa pra gente era fazer as correrias também, tendesse? Vender fruta na feira, de cemitério mesmo. Vender água no semáforo ou ir pedir mesmo. Oxe, o cara vai morrer de fome é? Ó aqui!!! Mas bicho, o que baratina a mente da pessoa é que, porra, tu quer ter umas coisas, tá ligado? Porra, um brinquedo, uma bike pra descer a ladeira, comprar uma coxinha quando tá com fome, ir pra praia. Meu patrão, praia pra mim só depois de grande e digo a tu, sou mais tomar banho de bica! Mas o pirrá crescendo assim começa a sonhar umas coisas, pô! Aí vem comercial de tv, cartaz de loja… essa porra tudo aí e tu quer o quê? Aí um cara que nunca fez desgraça nenhuma na vida, Cocada, tá ligado, aparece com umas corrente, umas bermuda da Cyclone origem, com um tresoitão prateado, comendo mulé pacarai. Porra, a galera acha que isso é moral, bicho!

Por isso eu não julgo os caras que vão pra vida errada. Eu sei que é foda esse lance de matar… pô eu não sou Jesus. A não ser que seja um estuprador safado. Mas bicho, isso né rock não. O cara endoida… Deus me defenda! E ainda mais quando a pessoa perde alguém por coisa errada dos outros. Aí dá uma doida, mermão.

Com a gente foi assim. Sabe, a gente se virava, compartilhava as coisas e ia se ajeitando devagarzinho. A gente sabia que meio que não adiantava querer sonhar muito, tipo, terminar os estudos e olhe lá. No máximo uma casinha no financiamento da caixa… mas aí é mais 500. Mas a gente vivia, pô. Roubava fruta do pé. Empinava papagaio, jogava bola de gude. Era massa! Doninha mesmo tinha umas 5 garrafas de bola de gude que ela coleciova. A bicha se garantia demais. Uma força naquele dedo que parecia de homem.

Só que aí veio Cocada. O cara todo nas estigas, falando sem medo. Botando terror nos bandidos que iam lá na quebrada - como se ele não fosse, né? - pagando cerveja pra galera e aí um belo dia. Pronto. Viu Doninha. E aí meteu as pala nela e ela caiu. Porra, o cara já foi logo comprando umas sainhas de marca, colocou piercing, pagou tatuagem. Fora ajudar em casa, pô. De vez em quando Cocada fazia uma feira inteira e ainda tinha churrasco pô.

Painho e mainha aceitava. Vai fazer o que? Porra se fosse esperar nunca que eles iam fazer nada disso. Era sentar e esperar bem muito. Fora que eles pensava assim: pô, quem é errado é ele, a gente só come churrasco mesmo. E tava errado? Sei não…

É porque é foda mesmo. Só hoje que a gente para e olha pra trás e se pergunta: meu velho e se…?

E Doninha tava era mais feliz que pinto na merda! Namoral! Até engravidou do cara. 15 anos a boyzinha e já com bucho, saca só! Só que o cara curtiu pô! Gritava na rua e tudo!

Aeeeeeee porra! Se for menino vai comer priquito adoidado, carai!

E soltava fogos e o carai a 4. Porra, até mainha sorria por ser avó. Disse que iria tentar fazer com que o neto não fosse pra vida errada. E tudo isso. Doninha tava doida pra se juntar, tá ligado? Só ele que não queria. Dizia que seria arriscado. Mas sempre visitava.

Até que um dia ele não veio mais. Sumiu. Celular desligado o tempo todo. Doninha otária nunca nem perguntou onde ele morava. E aí ela ficou doida. E os amigos? Começaram a chamar ela de rapariga e tudo o mais. Deu pro cara por dinheiro e chamaram mainha de coiteira. Foi foda! Aí veio a notícia: prenderam Cocada. Ele tava foragido lá em Alagoas e aí acharam e prenderam. Mandaram prum presídio lá na puta que pariu que era pra ele não voltar. Doninha quis se mudar pra morar perto do "marido". 15 anos pô!

Só que tu sabe amizade de ladrão, né? Começou a guerra pra tomar a área de Cocada. Morreu mei mundo de gente e tava foda pra sair de casa. Só que Doninha já tava de 8 meses. Era menina, ia se chamar Beatriz. Tava uma felicidade só. Aí de repente a bolsa estourou. Água que só um carai e Doninha gritando. Painho não tinha chegado pra pedir o carro de seu Luíz e a gente teve que tentar ir de ônibus, a gente nem ligou que tinha o SAMU, tá ligado?

Foi lá e ficou esperando. Aí apareceu Donda, que era braço direito de Cocada e depois a gente soube que sempre teve de olho na minha irmã. Olhou pra Doninha se preparando pra ter o filho de outro cara e como tava doidão de pó, pegou o tresoitão dele e de longe atirou em Doninha 3 tiros. Dois na barriga e outro no peito.

Mainha desmaiou e eu…

Eu paralisei. E Doninha lá caída de olho aberto.

Depois prenderam Donda. Foi lá pro Cotel. Soube depois que mataram ele lá. E eu fiquei feliz, não nego. Mas Mainha nunca mais foi a mesma. Painho começou a fumar demais até que teve que fazer cirurgia do pulmão. Hoje vai na Igreja, mas a gente vê que no fundo ele só vai ter paz quando um dia matar Cocada. O pior que ele já disse isso… se eles se encontrasse, ele matava.

E eu...

Vou ser pai.

E as imagens daquele dia me perseguem todas as noites. E eu não sei o que fazer, meu patrão.

Não sei… preciso sair daqui. Preciso sair de mim, saca?

Mas tá tudo aqui. E Doninha… e Beatriz, minha sobrinha já não tem que lidar com essa angústia.

Só te digo uma coisa: tem dia que é foda tá vivo.