O Réveillon dos esquecidos (Mini-conto)

O ano havia sido difícil para todos naquele lugar. Para uns mais do que para outros, mas não foi bom pra ninguém. Para muitos, talvez o pior momento de suas vidas. O último dia do ano trazia automaticamente lembranças amargas, ressentimentos e revoltas. Talvez até esperança, quem sabe. Muitos lembravam de suas famílias, de seus amigos e de como esta data é celebrada no mundo real. Outros lembravam-se porque estavam lá. A fogueira e a música contrastavam com a escuridão das redondezas e com o isolamento. Os muros tinham um cruel efeito psicológico: transmitiam uma mistura de festim particular com um decadente funeral. Alguns exibiam uma alegria tão artificial que soava como um desdém aos que mantinham a mente lúcida e os pés no chão. Um tipo de síndrome de Estocolmo, poderia-se dizer? Para pássaros adaptados à gaiola, a necessidade de voar é tida como doença. Para os libertários, o apego de uns pelo seu confinamento era hipocrisia. Não há felicidade sem liberdade. Sem ela, o ser humano não significa nada; é uma escória invisível e insignificante. A ceia foi oferecida como um reforço positivo behaviorista, uma mera esmola na tentativa de amenizar os sentimentos de tristeza e saudade, uma compra barata pela liberdade subtraída e com uma falsa mensagem subliminar de que alguém lá fora (e dentro) se importava. E impressionante que funcionava para muitos. Um pouco afastados dos demais dois involuntários participantes daquele teatro destoavam quase que sincronicamente do momento, parecia até que partilhavam pensamentos e emoções. Após um trago no cigarro um deles quebra o silêncio:

-Pois é, mais um ano...

-Ou seria menos um ano? - questionou o outro.

- Será que alguém está pensando no que estamos vivenciando?

Seu dileto companheiro, após outro trago no cigarro, responde serenamente:

- Não meu amigo, este não é o Réveillon do mundo real...olhe ao seu redor...aqui estamos mortos por dentro, e mortos para o resto do mundo... este é o Réveillon dos "esquecidos"...Feliz ano novo...

(Em homenagem à todos os "esquecidos", que por mais acompanhados que estejam, passarão ano novo na mais pura solidão - que em 2016 melhore...)