Historieta

"Ela" ficou voltada para a janela, observando as gotas de chuva que caíam, grossas, rápidas, encharcando o solo rapidamente e em seguida correndo pelo calçamento. "Ela": pouco interessava o nome, mais do que quaisquer de seus descritivos, sobrepujava-se a mulher, as formas e os silêncios.

Era impossível não tomar conhecimento que "Ela" estava por demais amargurada. Tentava reprimir um choro porque haveria chuva demais, muito além do necessário e do que se queria. No outro lado, "ele" cuja não presença também se impunha.

- Você não sabe que eu não quero interrupções e abandonos? - falou "Ela" reunindo talvez um fiapo de voz e de forças - Já me cansei disso! Não queira que eu sofra mais ainda. Não tem piedade de mim?

"ele" olhou, nem ao menos disfarçou a indiferença no trato de quem estava ali, quase que humilhando-se, buscando algo que ainda não encontrara.

- Não é fácil assim... "Ela", seja razoável!... - disse, sem palavras para tentar justificar a cena comum e repetida por vezes sem conta.

- Está bem! Vá! Já sei que não há mais solução. Talvez você tenha razão. Na minha ânsia por liberdade deveria deconsiderá-lo! Não me serviria de parceiro, talvez fosse até um estorvo. Não aguento mais! Sim, vá e vá agora!

"ele" simplesmente pegou a mala e saiu pela porta. Porque? Porque fora incapaz de abrir-se para o que se propunha, teve medo. O novo o aterrorizava, enchia-o de insegurança, exatamente aquela que era-lhe absolutamente repugnante.

Jamais imaginara que "Ela" ansiasse tanto assim ser livre em todos os aspectos, quase masculina. Porém lhe parecia absolutamente inaceitável ter de dar conta das várias geometrias amorosas, não admitia outras pessoas inscritas no seu círculo, outros desenhos em sua linha reta.

"Ela" , ao contrário, procurava entender a perenidade de coisas as quais não aceitava, entre elas, porque tudo o que mais queria estava inserido em mistério, em vidas paralelas que jamais se convergiriam, sob o risco do fim de seu paralelismo. Porque não amar com clareza, amar tanto que fosse dissolvidas em algum tempo as fronteiras e os limites?

"ele" apequenou-se, portanto, ao tomar coincimento da história, decidi grafar assim a referência pronominal. Aferrado aos seus conceitos, suas convicções quase todas mal formadas, recusou-se a considerar a hipótese, discutir as novas idéias.

Nada restou-lhe senão a porta da frente. Na mão, apenas uma mala, coisas encaixotadas para serem buscadas depois. À "Ela", tentar reenquadrar o sentimento de perenidade em outra pessoa, construir uma liberdade que talvez só ela aceitasse de verdade, sem querer ser uma Simone de um Sartre supostamente cruel.

Mesmo assim, como aquela, vertia lágrimas permanecendo ainda voltadas para a janela que, do lado externo, também recebia as grossas e generosas emanações dos céus. Tão diferentes, tão iguais...

André Vieira
Enviado por André Vieira em 25/10/2007
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