Ensaio

Olhou melhor, ficou pensando: vou? Difícil resolver. Tanta coisa passando pela cabeça. O sol frio, o romantismo das tardes de maio. Vou? Aquela agitação interior, tão conhecida de outros tempos. É certo que tudo retorna, fatalmente. Cuspiu de lado. Cidade pontuada de cinza, uma solidão acre, mastigável. Vou? Não tinha muito tempo mais. Chutou uma pomba. A dor na boca do estômago. Lembrou: desgraça pouca é bobagem. As ruas fedem. Não distinguia rostos. Robert De Niro e Jodie Foster. Não podia ser tão complicado. Vou. Foda-se. Lábios rachados, sabor de vingança dormente. Pólvora nos dedos, pólvora no peito. Tudo vai à merda repentinamente. A morte é a única rota de fuga. Maio, no calendário. Estou indo cruzar meu caminho com o de outro homem como eu e fazer o destino acontecer – não é um pensamento engraçado? Existem coisas que pedem para serem feitas com absoluta urgência. Como, por exemplo, dobrar esquinas até encontrar o homem procurado e disparar contra ele seis tiros, sentir o silêncio do instante em que a barreira é ultrapassada, ouvir o tombo, assistir como se fosse um filme, tremer de medo, correr, guardar a arma quente dentro da calça. Essas coisas que realmente valem a pena quando se está certo, certíssimo.