Sujo

Pobre louca, dizem. Pobrezinha. Arrasta um corpo feio e magro na tarefa indigna da mendicância crônica. Dão-lhe moedas apressadas. Seguem tampando o nariz. Nas dobras das roupas imundas da mendiga, restos de antigamente. Parasitas, nódoas. Puxa os próprios cabelos, uma massa dura de fios escuros. Passa o poeta, e a chama em pensamento de monturo vivo. Passa o senhor guarda, gesticula para que saia do caminho. Passa a criança, tem medo da louca. Cloaca da cidade. Moleques atiram-lhe pedras, ela parece não se importar. É doida, dizem. Tanta coisa dizem por aí, estranho tipo de indiferença. Não é uma mulher, exatamente, diria alguém. Não é um ser humano, exatamente, diria um cínico qualquer. Passa o cão, fareja – e fica. Pelo menos ela tem um cão, dizem os transeuntes acabrunhados diante do quadro da miséria absoluta. Pelo menos, filosofa um sábio, pelo menos alguém a assistirá morrer, caso o animalzinho sobreviva à fome e ao posto de ‘cão de mendigo’. Não durará muito, é cheia de chagas, é velha e louca, em breve morrerá, pensam as pessoas que detestam incômodos. É podre por completo, murmuram todos.

[Quando os dias passam e as chuvas geladas do inverno chegam, ela finalmente morre, silenciosamente, sem um ai. O cão a fareja e uiva. É incrivelmente desgraçado agora.]