Sentada naquela casa tão perfeita, com tudo lindo e no lugar, Lucia, na sala, olhava cada detalhe. Seu olhar se distraiu em cada enfeite em cima dos moveis, passando os olhos nos porta-retratos que mostravam uma vida perfeita. Sabe aqueles filmes da Hallmark  em época de Natal? Assim parecia ser sua vida: tudo perfeitamente colocado. Lembrou-se quando conheceu Léo, um amor a primeira vista, aquele adormecer de olhos abertos sonhando com o próximo encontro. Um casamento cheio de pompas, uma lua-de-mel de artista de Hollywood. No entanto, os anos foram mostrando o verdadeiro carácter de Léo. Controlava absolutamente tudo, como se ela fosse sua propriedade particular. Lucia aprendeu a dizer sim, anulando-se dia a dia.  Corria a preparar tudo com perfeição , pois qualquer coisa fora do lugar deixava-o completamente fora do prumo. Em certas horas sentia medo daquele olhar que ele lhe dava quando  algo não estava certo. Sentia-se oprimida, e a cada dia, perdia uma parte de si mesma. Lembrou-se da voz de sua mãe: “Não a sinto feliz minha filha”. As mães sempre tem aquele olhar para dentro, onde enxergam poeirinhas dissimuladas. Subiu para seu quarto onde as malas estavam semi-prontas, ensaiando a coragem para dar o passo final. Não havia nenhuma possibilidade de diálogo entre ela e Léo. Teria que ser feito tudo na surdina, não queria brigas, ou discussões. Da janela do quarto, olhou lá fora as luzes coloridas que piscavam enfeitando as casas. Era quase Natal, e por um momento pensou se alguém havia um dia tomado tal decisão perto de uma data tão importante! Olhou os cabides vazios que dançavam ao som de uma música distante. Fitou as roupas de Léo, todas simetricamente penduradas, os cabides obedecendo a distancia de 2cm um do outro, as camisas arrumadas por cor, e ainda obedecendo o degradê ! Tudo exigido por ele! Os sapatos perfeitamente alinhados como na vitrine de uma loja,  lustravam como espelho. Vagarosamente zipou as duas malas e desceu as escadas, não percebendo nenhum arroubo de tristeza. Sentia-se livre! Antes de sair deixou na mesa da sala um envelope, e dentro dele sua carta de alforria.

Tema: A Carta 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 10/11/2020
Reeditado em 14/07/2021
Código do texto: T7108343
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