CORRIDA SOLITÁRIA

          A reação foi correr. Queria poder sair dali e instantaneamente me encontrar em casa. Acolhido pelo familiar conforto do lar. Instintivamente, corria cego e inconsciente. Poderia correr surdo para não ouvir as palavras ecoando em minha alma: “Ele não resistiu...”. Uma corrida solitária.

          Meus olhos incrédulos não choraram. Traidores, pensava. Era o que qualquer um faria nessas circunstâncias. Chorar.

          Tentei ser mais veloz que o tempo. Mas, ao chegar a casa, percebi que falhei. A notícia chegara primeiro. Tão maldosa em levar sofrimento, que conseguiu ser mais rápida do que minhas pernas ansiosas. Ansiosas de descobrir que tudo não passava de um pesadelo. E o pesadelo foi saber que tudo era verdade. A casa já estava entorpecida de pranto e de tristeza. Bebíamos o velório em comprimidos calmantes. Distraindo a realidade. Adiando o sofrimento.

          Quando aquele turbilhão de emoções e sentimentos não segurava mais dentro do corpo e quis explodir em lágrimas e dor, o olhar inquisidor de uma dessas bruxas más que pensava só haver em contos de fadas fuzilou-me as intenções e, em seguida, proferiram as palavras sentenciosas: “cala-te! Controle-se! Sua mãe não pode vê-lo assim!”. Calei-me de fato. Forte correnteza represada. Cruel abismo impedindo o acalento acesso ao colo de mãe. Mais uma vez, corrida solitária. Completamente órfão.

          Não reconhecia minha casa com aquela quantidade de pessoas que ali se encontravam. Tantas eram que ocuparam todos os cômodos, inclusive quartos e banheiro. Destituído o rei e com a rainha enfraquecida, o reino era de qualquer um.

          É incrível a flexibilidade do tempo, que às vezes passa tão rápido, acelerando os bons momentos com boas companhias, e, outras vezes, é eterno, como aquele dia que simplesmente não acabava.

          O guerreiro, emoldurado e exposto na sala, indiferente a tudo e a todos. Observado por pessoas trancadas em semblantes baixos e graves, em uma espécie de respeito e reverência a tal força que dominava o ambiente. Força esta imbatível, que a inteligência humana não vence, que, quando toma uma decisão, nada ou ninguém pode contrariar. Força intangível e invisível, além do entendimento e do querer dos homens. Morte. Chega intrusa, invasora, delinquente, ladra, dominadora e extremamente poderosa.

          Muitos braços se empenhavam em dar assistência às vítimas da tristeza. O silêncio quebrava-se pelos soluços e pelas vozes que cochichavam sobre os feitos do guerreiro. “Era um bom homem”, diziam. E entre um gole e outro de café, todos concordavam.



*Este conto faz parte da obra "Diálogo dos Olhares" (Conto de 9 capítulos).
ILUSTRAÇÃO: DOUGLAS VIANA