Sonho de uma Noite de Natal no morro que não existiu

Juninho era um menino pobre que morava numa favela num dos morros mais violentos da cidade, onde os sonhos não ousavam ser mais do que sonhos apenas. Assim como outras crianças lá da favela, Juninho gostava de brincar, jogar bola, estudar, mas não tinha muita esperança num futuro melhor, pois as coisas por lá tinham outras ordens.

Era na escolinha que apesar de ser bem precária, que Juninho e outras crianças garantiam ao menos uma merenda modesta mas muito saborosa e nutritiva, e foi lá também que ele ouviu falar pela primeira vez em Natal e em Papai Noel, apesar de já estar com oito anos de idade. Nesse dia, a professorinha que por falta de materiais didáticos, procurava passar o que lhe era possível para as crianças, trouxe um livrinho de capa colorida em verde e vermelho escrito com letras desenhadas "As histórias de Papai Noel", e assim que todos se aquietaram, ela começou a contar então as historinhas do livro. As crianças prestavam muita atenção e seus olhinhos brilhavam tanto que dava a impressão que a salinha de aula estava toda estrelada. Nesse mesmo dia ao voltar pra casa, Juninho ainda tomado pela magia da estorinha que ouvira, em sua inocência perguntou a seus pais se eles conheciam Papai Noel, no que foi logo repreendido.

_ Deixe de besteiras moleque, isso é coisa pra quem não tem o que fazer. Disse- lhe o pai, um homem rude e ignorante, a quem a vida só maltratou.

Juninho tentou insistir mas sabia que seu pai nunca falava duas vezes, mesmo por que seu pai já o tinha mandado pegar sua caixa de engraxate e ir pra cidade trabalhar.

Ao chegar na praça comercial onde sempre engraxava sapatos, reparou que as ruas estavam enfeitadas como nunca tinha as visto. Muita gente fazendo compras, uma correria, um movimento incomum. Nesse dia poucos sapatos engraxou, e voltou pra casa pensativo, sobre a estória que a professora contara, sobre o que lhe dissera seu pai e sobre as coisas que vira nas ruas. No ônibus, ele ouviu um pai e filho que estavam sentados no banco da frente, conversando sobre o Natal e ouviu quando o menino perguntou ao pai se Papai Noel iria na casa dele levar o seu presente e o pai disse que sim. Aí, ele lembrou-se de uma parte da estória em que dizia que o Papai Noel só levava presentes para as crianças que foram boas durante o ano todo, e pensou, " eu sempre fui um bom menino, nunca desobedeci meus pais, nunca respondi pra eles, nunca menti nem roubei, mas se Papai Noel não existe como disse meu pai, como é que ele vai na casa desse menino hoje?". E assim, perdido em seus pensamentos adormeceu no ônibus e ainda com a estória que a professorinha contara na cabeça, sonhou com Papai Noel, ou quem ele pensava que era Papai Noel, pois ele nunca tinha visto o rosto dele. De repente ele se viu sentado sobre uma pedra onde costumava espiar a cidade lá embaixo quando as luzes se acendiam e viu no céu um enorme clarão de algo que passou voando indo em direção a cidade. Aí ele entendeu que poderia ser Papai Noel que veio entregar os presentes das crianças que foram boas durante o ano todo e pensou que como ele também tinha sido, na volta com certeza Papai Noel passaria na casa dele também. Mas depois de um tempo, viu que o clarão voltou a brilhar no céu e algo passou voando em direção das estrelas e não parou nem passou pela sua casa. Chegando ao ponto final do ônibus, voltou pra casa mais pensativo ainda, pois não tinha mais certeza se aquele menino com o pai no ônibus eram de verdade ou se faziam parte do seu sonho e ao chegar em casa, seu pai que já tinha bebido bastante e batido em sua mãe, tomou-lhe o pouco dinheiro que tinha conseguido com seu trabalho. Confuso, saiu correndo e foi para sua pedra, espiar a cidade lá embaixo já toda iluminada. Ele não sabia, mas aquela noite, era a noite de Natal.

Wilmar J Rosolen Pimentel
Enviado por Wilmar J Rosolen Pimentel em 24/12/2020
Código do texto: T7143151
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