Duplo sentido escondido pelas máscaras

Seis meses já haviam se passado desde o último dia em que a jovem Amélia pisou na escola e conversou despreocupadamente com seus amigos. Apesar de todos os desafios do isolamento social, e das incertezas geradas pelo medo constante, os dias insistiam em amanhecer ensolarados, e naquela manhã quente de quinta feira, o sol radiante e a melodia dos pássaros lembravam a jovem de que ainda existia um mundo lá fora, acendendo as esperanças de que logo tudo voltaria ao normal. Bastou alguns minutos para que Amélia levantasse da cama e encarasse a monótona rotina que tediosamente lhe presenteava com um novo dia. Após concluir as aulas virtuais em um modelo de educação à distância, que por sinal, estava sendo bastante efetivo, a jovem escutou o ruído de seu telefone, e em um primeiro momento se assustou, pensando na atemorizante possibilidade de se tratar de uma notícia desoladora, típica dos tempos de pandemia.

Amélia ficou surpresa assim que ligou o celular e percebeu que a mensagem vinha do grupo de whatsapp da sua turma da escola. A mensagem foi enviada por um colega chamado Marcelo, e era a seguinte:

“Meus amigos, eu estou organizando um baile de máscaras para confraternizarmos depois de meses sem contato direto. Todos vocês estão convidados!”

Por mais que os índices de contágio em sua região estivessem em queda, Amélia entendia os riscos oferecidos pelas festas e aglomerações, e por isso, a jovem relutou em um primeiro instante. “É um absurdo essa onda de flexibilizações, parece que estão todos perdendo o medo desse agente invisível e letal que é o vírus”, pensava ela. Entretanto, com o passar dos dias, seus colegas manifestaram interesse no baile e estavam planejando participar. Aliando a saudade de seus amigos com o desejo de sair de casa para espairecer, a jovem repensou sua opinião e decidiu que apesar dos riscos, ela não perderia essa chance. Mas havia algo em que Amélia não havia pensado até então: seria um baile de máscaras, mas ela não tinha nenhuma. Precisaria sair de casa, ir até uma loja de artigos para festas, e comprar sua máscara.

Seguindo todas as recomendações de segurança e tomando os devidos cuidados, Amélia saiu de casa e ganhou as ruas. A jovem já havia desaprendido a caminhar por longas distâncias, suas pernas estranharam no início, mas logo se acostumaram novamente. A luminosidade do dia encheu seus olhos habituados ao brilho das telas. Sentiu o ar fresco da cidade lhe invadindo como se fosse a primeira vez em que respirava, e via novos mundos renascendo no olhar de cada transeunte. A maioria das lojas estavam abertas aos clientes, mas alguns estabelecimentos permaneciam fechados devido à crise, outros simplesmente foram à falência. A jovem caminhava rumo à loja, mas guardava no fundo de si, a angústia de encontrá-la aberta, pois isso significaria que tantas pessoas voltaram a festejar e comemorar momentos felizes, contrastando tristemente com tantas outras que perderam a vida ou familiares e amigos queridos. Assim que chegou à loja, a garota

foi atendida por uma moça que a conduziu até a seção das máscaras. Enquanto Amélia escolhia uma máscara entre uma infinidade de cores, tipos, formas e tamanhos, a atendente fez um comentário:

-Ultimamente, tem crescido bastante o número de clientes, parece até que estão querendo adiantar o carnaval do ano que vem.

Com um embrulho no estômago, Amélia respondeu:

-Talvez, se já em fevereiro deste ano, tivéssemos começado a tomar as providências quanto ao vírus, ao invés de ter comemorado o carnaval em multidões, a situação poderia ser bem diferente hoje.

Assim que escolheu sua máscara, a jovem agradeceu a atenção da moça e voltou para casa. Só sairia novamente no tão esperado dia da festa.

O baile estava marcado para a noite do sábado seguinte. Assim que chegou o dia, os preparativos começaram cedo e Amélia estava muito animada para rever seus amigos. Quando estava anoitecendo e a hora combinada se aproximava, a jovem se arrumou, colocou seu melhor vestido e vestiu sua linda máscara de lantejoulas roxas com penugens e saiu de casa rumo ao local da festa. Seus colegas já estavam lá no momento em que ela chegou, e logo, toda a ânsia em revê-los se transformou em um grande ponto de interrogação em sua cabeça: “Por que estão todos sem o adereço combinado?”

-Onde estão todas as suas belas máscaras?

Perguntou ela aos colegas.

A chegada carnavalesca de Amélia logo foi notada, sua máscara chamou a atenção de todos. Um colega então se aproximou e falou à jovem:

-Amélia, esse é um baile comum, não é uma festa de máscaras coloridas. Seja bem-vinda!

A jovem, um pouco envergonhada e hesitante perguntou:

-Mas o convite enviado pelo Marcelo não deixava dúvidas de que seria um baile de máscaras.

Então Marcelo se dirigiu a eles, e entre risadas, disse:

-Quando eu falei em “baile de máscaras”, eu estava me referindo à máscara de proteção contra o Coronavírus, para que ninguém esquecesse. Mas talvez eu não tenha sido muito claro mesmo.

Todos os colegas deram as boas vindas à Amélia e se juntaram, elogiando a máscara alegre de Amélia, que animou ainda mais a festa e se tornou diversão, uma história compartilhada pela turma. Todos estavam felizes com o reencontro, sentiam-se no meio de uma segunda família. Agora estava valendo todo o tipo de máscara, desde que cada um tivesse a sua. Pequenas coisas que antes importavam, foram deixadas de lado, juntamente com desentendimentos e situações mal-resolvidas, pois seria um novo começo, que apesar de exigir máscaras que ocultam uma parte do rosto, grita ainda mais alto pelo elo de pessoas que não veem motivos para encobrir ou disfarçar aquilo que sobrevive às intempéries do tempo, unindo os seres humanos até nos momentos mais difíceis e desafiadores: a amizade.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 29/12/2020
Código do texto: T7147151
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