Te Conto Um Conto

Hoje vi um velhinho na livraria.

Ele estava sozinho.. e peguei-me duplamente assustada: pela pandemia e pelo "espelho".

Sim. Acho que há uma certa indiferença em nós em relação aos velhos. Como se nunca, nem pensar, pudéssemos ocupar um dia, aquele lugar.

Tentei imaginar o que levaria um velhinho a estar sozinho numa livraria.. Ele roubou-me a atenção. E não aparecia ninguém. Era ele e o livro que lia. Ora lia, ora observava as pessoas. E a impressão que eu tive é a de que ele não estava ali. Pelo menos parecia não querer estar. Não ali.. no espaço físico. Mas ali.

Pensei que eu iria apenas escolher livros. Mas fui aprender um pouco mais sobre estar só e ser velho.. numa livraria.. bem num lugar qualquer do mundo.

Não tive o privilégio ainda de chegar a sua idade. Mas já sinto sim a sensação de que há quem não queira escutar muito sobre o que temos a falar sobre a vida e as nossas experiências.. boas ou menos boas. Podemos estar com a melhor intenção, mas poderá sim parecer uma "invasão ofensiva". Então lembrei que os velhinhos, por norma, não costumam falar muito.

Lembrei que eu gostava muito de conversar com a minha avó.. que achava graça porque eu falava muito.

Lembrei que nem sempre tive paciência com o meu pai.

Lembrei que já sou uma avó.

Eu gostava de ter me sentado ao seu lado...

Eu gostava de ter feito diferente algumas coisas.

Hora de ir embora.. E não apareceu ninguém.

Ele e o livro num planeta gigante.

Não me parecia nem alegre, nem triste.

Lembrei da Cecília Meireles e pensei: pode ser um poeta.

Hoje eu pude enxergar um velhinho na livraria.

Karla Mello

02 de Janeiro de 2021

Karla Mello
Enviado por Karla Mello em 02/01/2021
Reeditado em 02/01/2021
Código do texto: T7150396
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