O Mendigo

Entre um minuto e outro, abaixava a cabeça e deitava sobre as pernas moles. A testa nua descansava do Sol que fervia sobre a estrada seca. No começo dava pra ver um pouco da floresta estendida na fronteira rebelde do Rio Grande. Mas enfim chegara ao termo: viera encontrar a sensação profunda de viver: chorar por um pouco de tempo até que então, por uma brecha salvadora, a nuca do homem se erguesse decidida a prosseguir. A viagem do homem começava sempre pelo tormento de estar sozinho em qualquer estrada. Assim sendo, a sensação viera, dura como um cacto e indomável -- ele sabia que seu equilíbrio havia sido quebrado por uma sensação de quarenta jejuns, dia a dia percebera sua impotência para dizer somente o que fosse crível e de bom gosto, ele nunca recebera uma preparação para a própria fome -- ele que, invadido pelo medo, desconhecia o que outrora significava ter comido pães e peixes. Era um mendigo da própria condição de viver. Não soubera -- e de certo jamais saberia -- que sua fome era também um ardente desejo de escapar do vazio.

O Sol começara a baixar, a pele seca do homem se desprendera em calos vivos e duros. Se alguém o viu até mesmo de longe correu admirado do próprio abandono. Ver um homem mendigando ao Sol era um amargo sinal de alerta. Ninguém suporta.

Ao fim da tarde, a viração tranquila começava a revelar-se. O homem não se mexia, o rosto severo não se insurgira. Rezava baixo, com desvelo.

Na outra margem, a floresta se enchia de vapores e grilos. De súbito, um brando frescor envolveu a cabeça áspera do homem, e enfim emergiu surpreso de sua penosa prece. Lentamente, deitou sobre a viga encharcada de suor e lágrima. Como quem dorme, o homem suspirou com sereno alívio de moribundo. Desamparado, morreu ali, onde Deus fizera brotar uma fonte, e onde toda a mansidão das águas ia parar no seu peito.

Silvano Gregorio
Enviado por Silvano Gregorio em 04/01/2021
Código do texto: T7151342
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