A filosofia da aranha
Sempre ao ficar no meu chuveiro, a aranha estava na janela do banheiro. Mesmo com o vapor, o sol e meu ótimo humor, ela fazia suas peripécias com teias.
Se meu lado assassino tentava se manifestar, ela se alojava numa fresta da parede e ficava livre de perder sua existência aracnídea.
Por estranhas sensações de preservação da fauna do meu banheiro, resolvi conviver com o inseto. Eu tomava banho, ela caçava moscas. Caso a teia ficasse aparente demais, eu limpava tudo. A nossa amiga na fresta de sempre, um espaço de vida.
Assim ficamos por meses. Convivência entre espécies, respeito ao multianimalismo. Uma sociedade regada a teias e chuveiro.
Num banho qualquer joguei água na janela. A aranha escorreu sem vida pelo ralo da inexistência do meu box. Estava de mal-humor.
No sofá, futebol na TV, fiquei refletindo que somos essa relação entre mim e a aranha morta. Ficamos em estado de paz até que algo que não controlamos resolve controlar a janela do banheiro da nossa vida. O que fazer ? Esperar em cada fresta? Continuar se alimentando de moscas? Ou nadar rumo ao ralo da inevitabilidade?
Após alguns meses, percebi outra aranha na janela do banheiro. Com certeza era a prole da finada que tragicamente se perdeu no esgoto. Resolvi conviver. Não é muito saudável traçar filosofias com base em nossa existência diária. Prefiro a distância das metafísicas.