A SENTINELA DE SEVERINO

A SENTINELA DE SEVERINO

Manoel Belarmino

Uma sentinela, um velório, na ponta da rua. Numa rua pequena e estreita de moradores humildes, de casas pequenas e simples; de gente da roça. Uma tenda armada praticamente tomou a rua, de uma calçada à outra. Na sala estreita da pequena casa de número 7, está um caixão de cor roxa com um corpo enrijecido, morto e frio. O corpo de Severino.

Severino, um agricultor, trabalhador de alugado, que já era de certa idade (e seus parentes dizem ter sessenta anos), faleceu no pino do meio dia, de doença desconhecida. Uns dizem que foi porque trabalhou muito no eito, no pesado, no machado e na foice, na lenha braba, sem se cuidar. Nunca consultou um médico. Nunca fez um exame. Outros dizem que Severino morreu porque fumava cigarro de fumo e bebia muito cachaça. O fato é que Severino morreu de repente. Pode ser que ele tenha morrido do coração. Mas morreu "de morte morrida" mesmo.

Logo, a notícia da morte de Severino se espalhou por toda a pequena cidade. Um carro de alto falante de voz rouca deu a notícia. Aí, aos poucos, as pessoas da rua e da cidade começaram a se achegar. Os parentes e os amigos. Mas, como acontece em todos os velórios nas comunidades e pequenas cidades do sertão, os cachaceiros "pé inchados" estão entre os primeiros a chegar. Vão chegando aos poucos, dois, três, quatro. A família do defunto tem de providenciar logo uns litros de cachaça. Cachaça limpa mesmo. Rinchona, fubuia.

Ali já estavam os famosos "inchadinhos de cachaça": Chico Rasgado, Zé Meloso, Quintino do Mé, Ze Fubuia e Pé de Defunto. Todos ali no velório de Severino. Todos ao redor do litro de cachaça. Cachaça limpa, branca, fubuia.

Em todo velório no sertao sempre tem os cachaceiros "pé inchado", mas tem também os contadores de estórias, os metirosos. Os contadores de anedotas, de mentiras. As piadas. Ficam ali a noite inteira. E acompanham o defunto até o cemitério, até o fechamento da cova. Outros nem conseguem. Ficam ali mesmo arriados, bêbados.

Nos velórios, no sertão, percebemos que há sempre a tristeza por causa da perda e da morte da pessoa que virou defunto, mas também são momentos para os mentirosos contarem histórias e mentiras, e os "pé inchados" beberem cachaça de graça a noite inteira, até o momento do enterro do defunto.

E assim foi, como tantos no sertão, o velório e o enterro de Severino: choro, cachaça, histórias, piadas e mentiras.

Manoel Belarmino dos Santos
Enviado por Manoel Belarmino dos Santos em 26/01/2021
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