Heroísmo antropofágico

Chega o dia em que ao herói só é dada uma única saída honrosa: alimentar-se de si mesmo. Tal tarefa não é simples, não apenas pelas óbvias limitações psicanalíticas, mas também porque ao herói é concedido o benefício (?) da dúvida. Ele não sabe se é melhor perecer com a naturalidade de um homem ou tornar-se fagócito de si, alquebrando-se em centenas de partes e, dor das dores, sentir o gosto de cada uma delas para então tornar a nascer.

A dúvida, esta varejeira azul que sobrevoa com especial prazer as feridas mais sujas, atormenta o herói à beira do abismo e traz consigo uma necessidade quase animal de compreender o porquê de estar ali e de ter apenas uma única saída (desde que opte por defender sua condição).

Se por misericórdia os deuses acudirem, o herói então entenderá que nada é mais epifânico do que vivenciar este paradoxo final: perecer alimentando-se de si para depois regurgitar-se. Dar-se de comer as entranhas, os membros, as poderosas mãos, a cabeça de pedra maciça. Comer as lembranças. E vomitar, aliviado.