A faca.

Na madrugada solitária, coberta de silêncios cúmplices de seus desenganos ela rola na cama insone.

No silêncio cansado de pessoas desnorteadas, consegue ouvir a torneira pingando.

Pinga nos olhos abertos, assustados, pinga na testa, na boca entreaberta.

Quase um voo impenitente, a torneira mira a face assustada.

E escorre pelo pescoço alvo, delicado, e começa a molhar a cama, inundando espaços vazios.

Desperta, assustada com o sonho impreciso, perturbador.

Abre a primeira gaveta do bidê ao lado da cama.

A faca novinha e afiada continua lá, virgem de cumprir seu destino.

Rasgar carnes e expor feridas, a faca gosta – motivo de existir.

Ela revira a mente buscando um pensamento que sustente seu pilar essencial.

O rosto amado do filho aquece o coração gelado.

O sangue volta a circular e aquecer as mãos geladas.

Levanta decidida e joga a faca fora.

Não foi desta vez, não foi por ela, um dia será.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 05/04/2021
Código do texto: T7224973
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