Ilusões

Que idade eu tinha mesmo? Parece que já fiz 75, não? Pouco importa, sentia-me com vitalidade fora do normal, caminhava rápido, faltava muito pouco para finalmente encontrá-la!

Sentei calmamente e contemplei a esplanada com arquitetura de vanguarda quanto fosca. Não podia deixar de excitar-me com a modernidade, mas a nostalgia sempre falava mais forte. Apertei o botão de falar com o atendente, pedi água de coco, olhei para o leitor de retinas e em um minuto o copo emergiu do meio da mesa. Ao mesmo tempo meu relógio vibrou, pela forma e cores, vistas de relance, algo não estava bem com meus indicadores de saúde. Mal comecei a beber a água de coco senti a picada no pulso. O sabor leve descia pela garganta e a picada fazia-me levitar deliciosamente. Aquele relógio e a modernidade tinham poderes sobrenaturais.

Logo ela surgiu, estranhamente envelhecida mas a luz do sorriso e a doçura do olhar continuavam marcantes. Incrível como mesmo nunca nos tendo encontrado a conhecia tão bem! Fechei os olhos e procurei na minha memória a noite dos pijamas... tão fofinho!

Sentou, colocou tudo o que portava na cadeira ao lado, fez seu pedido pelo teclado holográfico tão rápido que nem a vi procurar o leitor de retinas. Esperou calmamente o chá com biscoitinhos surgir pelo mesmo buraco mágico da mesa. Olhares e silêncio. Na minha mente giravam reportagens, entrevistas, palestras... aquela moça que sentava em estátuas ficou famosa, virou “star people” e ajudava o mundo a encontrar o equilíbrio, sempre agradecendo a tudo e todos. Só nosso encontro nunca aconteceu. E agora o silêncio amplificava o levitar.

Beijou suavemente a xícara e sorveu goles do líquido arroxeado, mordeu dois biscoitinhos e falou... falou... falou! Contou mil histórias e deu explicação para tudo o que tinha acontecido até ali. Mas eu só queria saber o que aconteceria dali para a frente. Leu meus pensamentos e perguntou “- Queres casar comigo?”

Ainda estava pensando o que responder quando alguém apertou minha mão. “-Pai, pai, sou eu, Laura. Fala comigo!” Olhei-a espantado, estava eu deitado, parecia meu quarto. “- Ela me pediu em casamento!!!” Era só o que lembrava... “-Ela quem pai, do que está falando?”, “-Zhoen!”. Um sorriso e uma lágrima surgiram em seu rosto e disse “-Calma, ela está chegando!”

Quanto menos entendia mais meus pensamentos flanavam, observavam o vai e vem das ondas cerebrais procurando sentidos. Em vão... Até que meu corpo estremeceu! Estado de alerta. Uma energia exuberante se aproximou deixando meu rosto vincado de espanto. “- Como estás tão jovem? Acabaste de pedir-me em casamento!!!”

Um olhar terno e luminoso fitou-me com profundidade. Tocou meu peito, senti a energia alimentar-me. Sorria, largamente, gargalhava... Todos a olhavam incrédulos. Eu também! “-Sempre te disse para não tomares da minha água... hoje pela manhã achei estranho ter bem menos do que deveria”.

Fernando Antunes
Enviado por Fernando Antunes em 28/04/2021
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