Bodega do Seu Raimundo

O velho caminhão vinha apontando, apitando no topo da estrada alta, daqui a pouco o Raimundo chegaria mais enfezado que uma mula, mais suado que tampa de chaleira quando está fervendo, descia do caminhão soltando um palavreado que só quem entendia era a Dona Joaquina, sua mulher. Toda quinzena era assim, ele viajava até a capital para repor mercadoria em suas prateleiras, ele não armazenava, dizia que era perigoso para o comerciante armazenar, queria produtos novos para o freguês não ter do que reclamar, e estava muito certo, todos apreciavam comprar em seu comércio.

Raimundo era um homem rude, forte e grisalho, sorria muito raramente, olhava dentro do olho do freguês e perguntava vai levar o que hoje, meu amigo ou minha amiga. Raimundo era um homem de respeito, voltado somente para a sua esposa, nunca se ouviu falar de algo errado em seu comportamento, era um exemplo para todos. Ele dizia que assumia seus cabelos brancos e com muito orgulho da sua história de honestidade e de caráter, ele era um excelente contador de causo em seu trabalho que era em sua própria residência, ele se divertia por dentro, quando percebia que a pessoa estava gostando do que ouvia, então ele aumentava a estória, dava detalhes, contando coisas que ninguém sabia onde ele arranjava tanta história para atrair a freguesia, nunca estudou em uma escola, quando aprendeu a ler e assinar o próprio nome, disse chega não tenho paciência nem tempo pra essas coisas de leitura de jeito nenhum. Ele era muito bom com os números, somar, multiplicar e subtrair era o seu fraco, lia pouca coisa só o que a ele interessava, mas não se aprofundou como ele dizia, aprendeu a ler em casa mesmo com a sua esposa Joaquina. Ele foi um agricultor que se cansou da roça, queria retirar os calos das mãos, juntou um dinheirinho e colocou um pequeno negócio que deu certo, já tinha alguns anos, era disso que ele vivia, para onde ele ia depois de casado, levava o seu filho mais velho, como ele dizia sempre _ Esse é o Rochinha meu filho, este aqui é letrado, não é um burro velho como o pai. Rochinha, se casou e foi embora, ficou só ele e Joaquina. Raimundo tinha o dom de fazer com que todos gostassem dele mesmo tendo ele, um jeito sisudo e era muito de dizer o que vinha na telha, sem medo de ferir, gostasse ou não ele dizia, porém, Raimundo não conhecia em seus sessenta e poucos anos de idade, nenhum inimigo, todos queriam ter uma prosa com ele, do menino ao adulto gostava dele, principalmente aos domingos depois das quatro da tarde, era costume a tapioca com leite de côco e o café na casa do Raimundo, se havia uma coisa que ele não tinha era a mão fechada, o tacho cheio de tapioca, a garrafa de café enorme em cima da mesa cercada de doze cadeiras, era assim todos os domingos, com chuva ou sol, e a festa estava feita, ele sempre dizia que era essa a felicidade dele, saber que tinha muitos amigos.

Ele nasceu e cresceu no Buraco da Jia, um lugarejo lá onde o Judas perdeu as botas, ele era bastante conhecido por ser o único dono de uma mercearia daquelas à moda antiga, tudo o que você precisava e às vezes nem imaginava que pudesse encontrar, era só chegar na Bodega do Seu Raimundo, era assim o letreiro em vermelho contornado de preto, que ficava estampado na faixada do prédio dele. Ele era muito positivo e às vezes mal educado, quando algum dos seus amigos daquelas redondezas o visitava e ele sentia cheiro de sujeira, ele dizia na cara da pessoa, rapaz me diga uma coisa... _Anda faltando sabão na sua casa, homem que cheiro de falta de asseio é esse? Ô Joaquina, vai lá dentro e traz um sabonete e um limão pra esse fíduma égua aqui, vê se pelo menos dia de domingo tu toma um banho macho!

Raimundo era conhecido na sua pequena cidade, como aquele que não tinha papa na língua, e ele dizia que gostava de limpeza e que era a base de tudo, principalmente a higiene pessoal, ele tinha um bom faro, reclamava de qualquer coisa suja e quando estava em casa era limpando tudo, não ficava esperando que ninguém limpasse a casa, o tempo livre dele era para colocar tudo em ordem. Ele sempre dizia que além de um bom banho com direito a bucha esfregada nas costas e unhas dos pés e das mãos limpas e bem aparadas, de preferência com barba feita todo dia, era obrigação do homem. Ele sempre dizia que achava esquisito as pessoas envelhecerem resmungando sobre as suas rugas, ele gostava de respeitar o processo natural da vida, e dizia muitas vezes, ora me diga onde é que eu um sessentão vou me comparar a força que eu possuía quando tinha trinta anos de idade? É lógico que a experiência de vida essa não se troca por nada.

Um dia o domingo ficou triste para os fregueses do Raimundo,

depois que a sua esposa Joaquina faleceu, ele passou cerca de uma semana sem abrir a bodega, e sem que ninguém esperasse, depois disso o comércio abriu, era outro dono, Raimundo deixou a cidade e nem se despediu.

Almeida Clementino
Enviado por Almeida Clementino em 29/04/2021
Código do texto: T7244044
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