Carnaval de rua (fevereiro de 2020)

Carnaval de rua é bom. O ajuntamento de pessoas às seis horas da manhã de um domingo de fevereiro é de deixar de boca aberta muitos foliões. É chamado “bloco do Tainha”. Não sei direito o porquê do nome, mas tem a ver com um suposto fundador do bloco, há uns cem anos; ele foi um marinheiro chamado Tainha.

Tainha não soa como escriturário, não soa como vendedor de seguros. Tainha, sem dúvida nenhuma, foi marinheiro. Do cais do porto, de onde brota e pulula parte da vida das camadas mais baixas da população. De onde vem humores de agitação social, de briga corpo-a-corpo.

Eu estava no grupo com outros três amigos. E Helena. Helena é minha esposa e companheira, enquanto os amigos são um casal e um solteiro. Para Helena e para mim, essa era nossa primeira experiência num bloco de rua. Tudo parecia muito colorido, tudo parecia muito animado, muito especial.

O figurino sugerido pela organização do grupo era, é claro, marinha. Homens e mulheres transformavam-se segundo seu próprio gosto em almirantes, capitães de mar, tenente, guarda-marinha, e marinheiro. Todos personagens escolhidos pela imaginação individual. Vinha da criatividade de cada um.

Eu e Helena éramos almirantes. Ela levava um bigode falso muito charmoso. Eu não tinha bigode. Os amigos iam os três (incluindo o casal) de marinheiros bigodudos. E ao som do ritmo do bloco, nos agitávamos todos. Cantávamos marchinhas de carnaval das mais populares.

Alguns foliões corneteavam com uma lata de ar comprimido. O restante do som vinha de alguns tambores e repiques. Tudo muito animado como se para saudar o dia que acabava de nascer. E nós saltávamos com animação, nós sentíamos os reflexos da noite em branco, cansados, mas isso não parecia incomodar.

Depois da segunda cervejinha, não existe dor muscular para um folião. Me ensinaram isso. De fato, a despeito de minhas coxas parecerem pedir por uma pausa, eu não me rendia à inércia. Todos pulavam para cá, eu pulava também. Pulavam eles para lá, eu também seguia o movimento do bloco.

E, sendo como que dragado pelo movimento ligeiramente circular da aglomeração, fomos dragados para o centro da muvuca. Aos poucos, íamos nos aproximando da bandinha onde estavam os instrumentos musicais e indo um pouco além deles nos deparávamos no olho da muvuca, como no olho de um furacão.

Não foi uma surpresa para mim encontrar alguns foliões se esfregando com as partes genitais nas mãos. Já havia dado ouvidos a certas fofocas em relação a isso. Por esse motivo, não me senti surpreso por completo. Eu avistei ali somente foliões masculinos se tocando, não visualizei nenhuma mulher no centrão da festa.

Minha mulher boquiaberta com a visão que atentava contra a moral, pensava como eu: que eles se divirtam, muito válido tudo isso. Não seria eu que tomaria a dianteira para acusar aquelas pessoas como contraventoras do carnaval. Sorrimos e procuramos nos afastar. Com naturalidade.

Procuramos nos afastar antes que, com o movimento circular de todo o bloco, fôssemos dragados pela orgia. Meus três amigos desapareceram e eu me perguntei o porquê. Já não estava próximo à orgia e me perguntei se eles haviam chegado perto daquilo. De repente senti o cansaço finalmente tomando conta de mim.

Às nove horas da manhã, meu corpo merecia uma água de côco e um bom café da manhã de hotel. Mas tinha que encontrar todo o grupo para que assim nós cinco juntos pudéssemos pegar o transporte para o hotel. Foi difícil encontrar nossos amigos, mas terminamos por achá-los sentados no meio-fio.

Parece que a fadiga tomou de cheio o corpo de todos. Concordaram em caminhar até um transporte e ir para o hotel. Não foi difícil encontrar um taxi. Mas nós cinco couberamos com um certo esforço. Em meia hora estávamos no hotel – que já estava oferecendo o café-da-manhã havia pelo menos duas horas.

Primeiro tivemos que mudar a roupa, trocar aquele peso de fantasia molhada, limpar a maquiagem do rosto e do corpo. Combinamos de nos encontrar no restaurante do hotel para o desjejum em uma hora. Minha mulher agora ameaçava dormir em pé, ela que era tão forte para qualquer situação.

Reunimo-nos como combinado, os cinco, às dez horas e trinta minutos. Um ou outro bocejava, mas a fome e a cede falava mais alto. E no hotel tinha um bufê. Comemos ovos mexidos, pão de milho, presunto e geléia. As sobremesas também chamavam atenção: musse de maracujá, torta de chocolate. E muito iogurte e suco de laranja.

Todos falavam da incrível festa de que participaram. Não tinham nada a reclamar. Quanto à orgia, combinamos eu e Helena de não falar nada a respeito, a não ser que o restante do grupo mencionasse ter visto o que nós vimos. Mas eles não viram. Ou então viram e – da mesma forma que nós – guardaram para si.

Brindamos com os copos de iogurte e os de suco de laranja. Que no ano próximo, que em 2021, possamos repetir a mesma experiência em nossas férias de verão. Os pontos contra (muito calor e o perigo de arrastão) não se sobrepuseram aos pontos bons (a animação, muita gente feliz aglomerada e cerveja gelada).

Fizemos votos que no ano de 2021 possamos nos encontrar juntos, combinados: alugaríamos os mesmos quartos no mesmo hotel e participaríamos de todas as noites de carnaval na rua. Mas por que a pressa? Havia ainda mais em dois dias de blocos pela frente. Vamos estar presentes em tudo – pura farra nesse fevereiro de 2020.