Casamento na igreja (outubro de 2020)

Em uma tarde agradável de outubro eu me reuni com uma multidão na catedral metropolitana para a celebração de um casamento. A temperatura estava amena e vesti um blazer de algodão leve, que caiu no corpo sofisticada e confortavelmente. Os convidados também se vestiam com elegância e tudo aparentava perfeição.

A cerimônia foi celebrada por um padre muito pequenino. Sua cabeça alcançava os ombros da noiva. Mas tinha um vozeirão que se fazia ouvir em todos os cantos da catedral. Flores perfumadas tomavam conta: estavam nos bancos em que sentávamos e praticamente em toda a nave da igreja.

Em tempos de pandemia, alguns cuidados foram tomados. Nenhum convidado sentava-se ao lado de outro. Entre uma e outra pessoa, havia dois espaços preenchidos por um adesivo nos bancos explicando a proibição de sentar-se ali. E usávamos, todos, máscaras. Inclusive a noiva, o noivo e o padre também.

A noiva não se demorou muito a chegar. Apenas vinte minutos de atraso e lá estava ela. O noivo chegou ao lugar anteriormente, com uma hora de antecedência para receber os convidados na porta da igreja. Passado o tempo da chegada de noivos e convidados, entraram e subiram ao altar o casal enamorado e tudo corria muito bem.

Eu, encantado pela cerimônia, permitia viajar com meus olhos lentamente por toda a igreja. Percorrendo os espaços e olhando disfarçadamente as pessoas deparei com certo espanto de mulher que destoava do restante da igreja. Vestia-se de preto em todo corpo e no pequeno chapéu na cabeça. Tinha a expressão de malcuidada, de embriagada.

Eu não fui o único a notar a presença da estranha senhora ali. Comecei a observar que alguns convidados a observavam com discrição. Alta, um tailleur, pequena bolsa preta na mão, chapéu pequeno decorado com penas pretas. Assim que a vi fui atingido pela impressão de que algo não correria bem naquela cerimônia.

O traje adequado para uma cerimônia de casamento, manda o figurino, deve ser discreto, mas o preto nunca deve predominar. Em um sepultamento sim, e ela estava trajada para um sepultamento. O que será que teria aquela senhora contra o casal de noivos se casando naquele lugar? – pensei.

O padre conduzia a cerimônia para seu fim. Os noivos trocaram as alianças que foram trazidas a eles por um casal de crianças vestidas de branco, como anjos. Beijaram-se e o padre abençoou os dois dando fim ao casamento. Nesse momento os padrinhos caminharam até os dois e os cumprimentaram.

Percebia-se que os pais dos noivos estavam emocionados. A mãe do noivo procurava conter o pranto com um lenço, mas não conseguia. A acústica da igreja fazia com que o choro dela ecoasse até a décima fileira, que era onde eu estava. O marido a abraçava. A cerimônia terminava belamente.

Marido e mulher, o casal agora descia com cuidado o altar e punha-se a caminhar entre as fileiras de bancos cumprimentando a todos que estavam presentes. A noiva era pura satisfação. Talvez para não estragar a maquiagem, parecia controlar o choro. O noivo apertava mãos dos convidados. Eram tantas que imaginou que não fosse conseguir.

A mulher de negro levantou-se como todo mundo, e pôs-se rente ao caminho dos noivos, do lado em que caminharia o noivo. Eu, que a acompanhava, senti um calafrio como se soubesse o que iria acontecer. Ela abriu um grande sorriso e estendeu a mão esquerda para o noivo esperando sua vez de cumprimentá-lo.

Assim que o noivo se aproximou e a avistou, sua face descorou. Parecia mais branco que o mármore do altar. A mulher agiu rapidamente: com a mão esquerda deu-lhe a mão, que ele sem escolha recebeu. Mas com a mão direita cravou-lhe uma tesoura afiada na barriga. O noivo caiu no chão dobrando o corpo sobre os joelhos.

A noiva foi a primeira a perceber o que havia acontecido. Havia sangue no chão e em seu vestido. Sangue que vinha de seu marido. Soltou um grito que chamou a atenção de todos. Eu procurei aproximar-me, mas a multidão em minha frente impedia qualquer movimento meu.

Resumo da ópera: a mulher misteriosa havia sido abandonada pelo homem a quem ela assassinara. Aproximadamente seis meses antes da cerimônia de casamento dele ele conhecera a esposa e a abandonou por ela. Na época ela havia jurado que o mataria, mas ele não tomou as coisas pela gravidade que mereceria.

O homem gemia no chão, procurando pressionar o abdome para que não jorrasse mais sangue. Nesse intento, o pai da noiva procurava ajuda-lo. De imediato, alguém telefonara para a ambulância, e então não demoraria para chegar ajuda médica. Ele jazia deitado no chão, de costas para o assoalho.

A mulher, a quem chamarei aqui de Cássia, foi contida por primos dos noivos. E não foi fácil paralisá-la. Três homens fortes mal conseguiam segurar a mulher, que urrava descontrolada. Repetia, com gosto: “eu falei que você ia morrer.” E chorava ao ver todo o sangue no chão e a comoção que isso causava.

Cássia intercalava um silêncio profundo, mas inteirava em voz baixa: “meu amor, não vá embora.” Depois chorava e chorava. A tesoura ainda estava em sua mão, pois nem mesmo os três brutamontes que tentavam contê-la conseguiam fazer com que ela a largasse. Mas tentaram, até que desistiram após cortar as mãos.

Em um desfecho inesperado, Cássia cortou sua veia aorta no pescoço, e o sangue começou a empapar as mãos dos rapazes. Desfalecia sem barulho a mulher assassina. Não se sabe se estava nos planos dela matar a si mesmo como fez. Mas o fez e faleceram ali mesmo, naquela catedral, dois amantes separados e unidos pela tragédia.