Pandemia (dezembro)

As castanhas das castanheiras da rua amassadas no chão de asfalto exalam um cheiro todo seu. O calor de começo de verão permite fazer com que o processo de se tornar perfume da castanha ocorra mais rapidamente. Eu caminho rente à rua, pela calçada, sem tirar os olhos das castanhas que cobrem a rua por toda a parte.

O natal faz apenas uma semana ocorreu. As casas e os apartamentos conservam ainda a parafernália de fios e micropontos de luzes dos pisca-piscas dependurados nas faixadas. As ruas estão desertas, mas não é apenas por que as pessoas estão repousando em seus lares das festas de final de ano, mas porque estamos no meio de uma pandemia.

A circulação da gente mais sensata tende a ser nula. Mas é verdade que há os outros que não acreditam na morte silenciosa que está a espreita na primeira aglomeração pública. Estes não acreditam serem vetores de transmissão do novo vírus que chegou como a noite há alguns meses. Simplesmente não dão a menor bola para isso.

As primeiras notícias vieram de março, ainda verão, na chegada do outono. Atravessamos dez meses de muito terror para chegarmos vivos até aqui, e vislumbrar no horizonte a chegada de uma vacina que vai nos imunizar contra o horror invisível. Através da televisão vemos outros países que vão iniciar a vacinação da população.

Ficamos para trás. Ficamos para trás atados nos trâmites burocráticos para a aprovação de uma vacina e assim, no grande mercado global, desperdiçamos a chance de adquiri-las com rapidez para começar sem demora nossa vacinação. Os números de mortes diárias da população encontram-se em torno de alguns milhares no Brasil.

É uma crueldade saber que um dia perdido significará milhares de mortes norte a sul do país. Mas dependemos das autoridades, autoridades estas que não são dadas a ligeirezas e ao que tudo indica não se sensibilizam com os números de mortos. O atraso na vacinação pode significar inclusive que este que escreve pode não estar aqui amanhã.

Não, não tenho sintomas de gripe forte, sintomas que podem apontar o vírus da Covid-19 em mim. Mas, apesar de todo o cuidado que tomo o vírus, que é matreiro, pode me alcançar ao cruzar a rua na pracinha do mercado. Eu acordo sem lembrar-me da presença dele, mas ao longo do dia sua presença se impõe por todos os lados.

Nesse dezembro pós-natal do ano de 2020 não há assunto mais premente que o novo coronavirus. É a primeira ameaça deste tipo no novo milênio. Terror igual, no século vinte, viveram aqueles que estavam por aqui no ano de 1918. A gripe espanhola roubou muitas vidas, assim como hoje faz esse novo vírus.

Mas era de se esperar que, passados mais de cem anos, nós estivéssemos preparados para lidar com uma ameaça análoga à gripe espanhola. E parece que não aprendemos nada com o nosso embate com a doença no passado. Vivemos um novo tempo e nem por isso, com todo avanço da medicina, fomos céleres o bastante para defender a vida.

Há medicamentos de prevenção hoje, muito controversos, que descobrimos terem sido usados lá atrás na gripe espanhola. São medicamentos que hoje se sabe, após o uso de testes científicos, serem inócuos no combate à Covid-19. Mas surgem autoridades duvidosas que defendem seu uso e até a cura da doença. Onde estamos?

Não há hoje um medicamento para tratar o Covid-19. O que há são medicamentos que atacam os sintomas da doença, basicamente. Ao longe, no fim do túnel, há experimentos com anticorpos de pessoas que tiveram o vírus e se restabeleceram. A injeção destes anticorpos, aparentemente, pode despertar no doente suas defesas para aplacar o vírus.

Eu espero que, quando eu for lido, ainda esteja por aqui e que as vacinas contra o novo coronavírus já tenham chegado para toda a população – a grande população – brasileira. Somos mais de duzentos milhões à espera de uma ajuda que possa vir pelo céu. Na américa latina, já não seremos os primeiros a serem vacinados.

O Chile, a Argentina e o México já já iniciarão suas vacinações. Estes estiveram na frente da longa fila para comprar vacinas e insumos para sua aplicação em suas populações. Suas populações não chegam cada uma à metade da brasileira, com a exceção da população do México.

Necessitamos de planejamento. Necessitamos de rapidez. As mortes diárias são uma vergonha, mas toda iniciativa parece perdida em um engodo que envolve burocracia e uma cruel frieza dos nossos dirigentes. Não está claro quando começaremos a vacinação, mas acenam com a possibilidade do final do mês de fevereiro.

Dos medicamentos para o tratamento ao vírus, em hospitais, aqueles sem comprovação científica não entram. Mas a população, aparentemente apoiada pela propaganda do presidente da república, aquela parcela que tem recursos estoca tais medicamentos para fazer seu tratamento em casa. E o sucesso desse tipo de tratamento é questionável...

Os tratamentos novos, baseados no sangue de pessoas que se recuperaram do vírus, até aqui não chegaram ainda. Que faço eu? Eu uso máscara. O método de defesa contra o vírus inclui o uso de máscara e o distanciamento social. Também lavo as mãos e uso o álcool em gel conforme anuncia a OMS.

Resta velar por aqueles que se foram, aqueles que sucumbiram frente ao vírus. São vidas que em algum momento de sua história se contaminaram e não tiveram culpa disso. Vale dizer que, apesar de tudo, o doente e o morto são vítimas do vírus. Em algum momento, passamos por algumas dessas vítimas e nem imaginamos seu fim.

Enfim, digo SOS vacina. Meu pedido de socorro para as pessoas queridas que tenho em meu redor não alcança o Ministério da Saúde, não vai até as esferas mais altas de comando do país. Mas vale à pena compartilhar o meu temor desse vírus terrível e apostar, novamente apesar de tudo, apostar na chegada (já em tempo) de vacina.